terça-feira, 19 de junho de 2012

Crítica: Temos de Falar sobre Kevin (2011)

"I used to think I knew. Now I'm not so sure."
Kevin

Um drama pode ser capaz de arrepiar muito mais do que um filme de terror e a prova está em Temos de Falar sobre Kevin. A adaptação ao cinema do livro homónimo de Lionel Shriver resultou brilhantemente. Lynne Ramsay põe-nos frente a frente com a perturbadora história de Kevin e da sua família e consegue levar-nos aos nossos limites. Muniu-se para isso da protagonista perfeita, Tilda Swinton, através de quem vamos conhecendo todos os acontecimentos.

O filme roda em torno de Eva (Tilda Swinton), que coloca as suas ambições e carreira de parte para dar à luz Kevin, mas a relação entre mãe e filho revela-se difícil desde os primeiros tempos. Aos 15 anos, Kevin faz algo irracional e imperdoável aos olhos da comunidade. Eva, por seu lado, luta contra os seus próprios sentimentos de dor e responsabilidade: Terá alguma vez amado o seu filho? E quanto do que Kevin fez foi sua culpa?

A premissa é, desde logo, interessante, bem como as perguntas deixadas no ar. Será que uma mãe pode ter alguma responsabilidade nos actos dos filhos por mais demoníacos que eles possam ser? Esta é uma das questões que ficarão na cabeça do espectador para lá do filme. Não li o livro mas não tenho qualquer dúvida que este seja um dos casos em que o filme está à altura do que foi escrito.

Conhecemos Eva logo na primeira cena, e é através dela que tudo nos é apresentado. Conhecemo-la antes de Kevin existir e assistimos à sua evolução aquando da gravidez e do nascimento do filho. Percebemos desde cedo a difícil relação com Kevin desde bebé, que continua à medida que ele vai crescendo, tanto  em criança, como em adolescente, e que difere tanto da relação do jovem com o pai. Desde o início de Temos de Falar sobre Kevin vamos sendo confrontados com o presente de Eva ao mesmo tempo que o seu passado também nos é apresentado. Os vários momentos do passado e a acção do presente surgem de forma intercalada e é assim que, nós mesmos, vamos construindo a história. Desde o início que sabemos as consequências do que Kevin fez mas não sabemos as causas nem o que aconteceu exactamente. Isso é mantido em segredo até ao fim.


No meio de excelentes realização e argumento, é inevitável reparar na simbologia, já diversas vezes apontada pela crítica, da cor vermelha ao longo de todo o filme. Começa logo na primeira cena, onde vemos Eva numa Tomatina, e encontra-se também na sua casa vandalizada com tinta vermelha, ou no doce que as personagens colocam no pão, por exemplo. A cor, tão insistentemente repetida, poderá ser premonitória.

No elenco, dois nomes bem conhecidos: Tilda Swinton e John C. Reilly, como seu marido. A actriz tem aqui o papel da sua carreira e foi muito injustamente esquecida no que aos Oscares diz respeito. Partilhamos o seu drama e vivemos tão intensamente como Eva todos os acontecimentos. A responsável por isso é Swinton, entregue de corpo e alma à personagem. Eva é uma mulher de coragem e de extrema força e, apesar de tudo, ela nunca abandona o filho. Outro destaque mais que merecido vai para os actores que interpretam Kevin, desde o mais novo, Rock Duer, a Jasper Newell (Kevin dos 6 aos 8 anos) e ao mais velho, Ezra Miller. O casting foi certeiro. Os três têm o olhar intimidante, a frieza e a obscuridade característicos de Kevin.

Temos de Falar sobre Kevin não se vê de ânimo leve, nem irá cumprir a função de nos descontrair e entreter, bem pelo contrário. O filme é de uma grandeza extraordinária especialmente pelas emoções fortes que provoca no espectador e pelo ambiente pesado que deixa em seu redor. Deixar-nos-á a pensar muito para além da sala de cinema, de onde sairemos, inevitavelmente arrebatados.

*9/10*

6 comentários:

Sam disse...

Das ideias expressas no teu texto até à nota final, estou totalmente de acordo contigo!

Lynne Ramsay constrói uma obra-prima de desconstrução da linearidade temporal do argumento — a capacidade do espectador apreender a cronologia de vários flashbacks é testada ao limite — e na oscilação, sempre periclitante e arriscada, entre o realismo puro e a fuga para a ilusão.

E o "esquecimento" da Tilda Swinton para os Oscares foi quase criminoso... :P

Óptimo texto!

Cumps cinéfilos :*

Inês Moreira Santos disse...

Muito obrigada, Sam. :)
Cumprimentos cinéfilos :*

Loot disse...

Também acho muito interessante no casting, além da qualidade dos actores já mencionada, o facto do Ezra Miller ser bem parecido à Tilda Swinton. Por mim podiam ser mãe e filho na realidade que eu acreditava.

Inês Moreira Santos disse...

É verdade. E os três Kevin são também bastante parecidos, especialmente os dois mais velhos. :)

Cumprimentos cinéfilos.

Fotografias com Histórias Dentro disse...

sem dúvida um filme que não se vê de animo leve. e concordo..foi muito injusto ela não ter sido nomeada.

Inês Moreira Santos disse...

É verdade, tem ali uma personagem do caraças. Injustiças da Academia... o costume.

Cumprimentos cinéfilos.