sábado, 15 de setembro de 2012

MOTELx: Os primeiros dias

Depois de três dias de MOTELx - Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa é tempo de se fazer um balanço do que se tem visto. Há um filme que me surpreendeu muito positivamente, certamente um dos melhores do festival, outros dois que merecem destaque por se distinguirem dentro das temáticas que tratam, outros não tão bons, mas todos merecedores de atenção.

CRAWL, de Paul China  *5.5/10*

Primeira obra do realizador Paul China, Crawl causou uma sensação de estranheza na sessão de Quarta-feira, despertando gargalhadas do início ao fim. Se o filme tinha mesmo esse objectivo (o que eu espero que sim) ou não, cada um entenderá à sua maneira. Muito suspense, muito sangue, poucos ou nenhum sustos. As influências notórias de clássicos do cinema de terror deixaram no ar um certo tom de paródia.

A única longa-metragem australiana presente na edição deste ano do MOTELx tem como protagonista um croata que não larga o seu chapéu de cowboy. Contratado pelo dono de um bar para assassinar um seu conhecido e após levar a cabo o crime, algo não corre bem e uma jovem empregada do clube nocturno é tornada refém na sua própria casa, onde terá de adoptar medidas desesperadas para sobreviver. Os irmãos gémeos Benjamin e Paul China tiveram como inspiração para este filme Hitchcock, Polanski e os irmãos Coen.

VAMPIRE, de Shunji Iwai   *7/10*

Bem diferente das histórias de vampiros a que se está habituado, Vampire foi uma óptima surpresa no primeiro dia de MOTELx. A co-produção Japão/Canadá resulta num filme com uma aura muito especial.  Um realizador japonês à frente de um elenco americano resulta numa fusão de grande qualidade. Vampire está repleto de uma sensibilidade muito japonesa, aliada a um ou outro estereótipo mais americanizado, mas com um ambiente muito próprio. 

Longe dos dentes afiados que habitualmente se associam ao género, o filme roda em torno de Simon, um jovem professor de biologia de liceu, dedicado a cuidar da mãe doente. Aparenta ser como qualquer outro rapaz da sua idade, contudo, as jovens suicidas que conhece online, em fóruns e salas de chat, são a chave para saciar a sua sede de sangue.

Shunji Iwai é o realizador, aclamado por filmes como Love Letter ou All About Lily Chou Chou, ele pega num ícone clássico do género de terror e aborda-o de forma muito mais profunda. Conseguimos chegar ao interior do protagonista, o vampiro Simon, encarnado pelo canadiano Kevin Zegers (um dos protagonistas de Frozen, no MOTELx 2011), que nos oferece aqui uma prestação superior ao filme da última edição, onde, inesperadamente, criamos uma grande empatia com o protagonista. A banda sonora, sempre presente, também da autoria do realizador, assim como a fotografia, são outros pontos fortes de Vampire. Uma excelente sugestão para quem gosta de filmes de vampiro, mas, e principalmente, para quem não gosta.

RED STATE, de Kevin Smith   *7/10*

Partir de premissas já muito vistas, mas trabalhá-las de forma original e surpreendente, é o que acontece com Red State, realizado por Kevin Smith que se estreia neste género cinematográfico. A longa-metragem norte-americana mistura thriller, acção e terror e no elenco estão nomes como John Goodman e Melissa Leo, que muito contribuem para a sua qualidade.

Uma seita de fanáticos religiosos leva a sua homofobia ao máximo que se possa imaginar, e captura um grupo de adolescentes. Abin Cooper é o seu pastor e líder que planeia as mais radicais acções para retirar o pecado do mundo. As temáticas da discriminação a um nível extremo e do fanatismo religioso, muito batidas actualmente, surgem aqui com uma abordagem diferente onde nada é previsível. John Goodman como o agente Joseph Keenan e, principalmente, Michael Parks na pele do pastor Abin Cooper têm desempenhos que merecem destaque. Red State é um filme violento onde o terror psicológico impera.

LADDALAND, de Sopon Sukdapisit   *5/10*

O filme tailandês Laddaland foi recebido com a sala Manoel de Oliveira quase cheia. Depois do excelente Who R U?, no último MOTELx, as minhas expectativas eram muito elevadas para o representante da Tailândia nesta edição do festival. Muito se falava da longa-metragem de Sopon Sukdapisit, que foi um sucesso na Tailândia, mas o resultado não foi tão bom como se esperava. Um filme sobre o sobrenatural, que o percorre do início ao fim, mas onde a necessidade de “pregar sustos” impera e sobrepõe-se ao próprio argumento, que parece perder o fio à meada mesmo antes da metade.

A família de Thee está no centro da história. Ele quer o melhor para a esposa, Parn, e para os filhos, Nan e Nat, e para isso mudam-se para uma casa em Laddaland, um condomínio privado, onde acredita que terão uma vida feliz. Todavia, a família nunca poderia imaginar que, numa casa próxima, uma empregada doméstica foi brutalmente assassinada. Os fantasmas parecem ter-se mudado também para aquela vila, e a morte cerca a família de Thee.

Laddaland parece querer manter-se sério e pesado, mas chega à sua cena mais dramática e faz com que a plateia se ria, e isso não se pretende, nem de longe. No que toca a suspense e a sustos, nada a apontar, eles estão lá (são realmente muitos), com a característica banda sonora a adensar (mais ainda) o ambiente, mas a história perde-se numa espécie de “quantos mais fantasmas melhor” e desaparece o desejo inicial de descobrir os mistérios que rondam a primeira morte com tudo o que se sucede. E parece haver uma grande necessidade de juntar uma série de temáticas no mesmo argumento: drama familiar, cidade assombrada, desemprego e endividamento. O resultado é, como já disse, uma mistura de onde não sai uma conclusão aceitável, tudo se vai perdendo ao longo do filme, mesmo os fantasmas.

REVENGE: A LOVE STORY, de Ching-Po Wong   *8.5/10*

A maior surpresa do festival até agora surgiu ao início da tarde de Sexta-feira, com muito pouca gente a assistir a uma longa-metragem que merecia casa cheia. O título resume bem o filme a que se assiste: uma vingança, uma história de amor. O filme de Hong Kong, realizado de forma genial por Ching-Po Wong é, provavelmente, um dos melhores deste MOTELx. Até agora, o meu favorito, e tenho dúvidas se outro o conseguirá destronar.

Revenge: A Love Story, bem ao estilo asiático, oferece-nos uma perturbadora história de vingança, onde, à semelhança de (por exemplo) I Saw the Devil, poderão existir dúvidas sobre de que lado está o bem (e será que ele existe?). Um assassino em série mata polícias e as suas respectivas mulheres grávidas, com as quais demonstra particular sadismo. Chan Kit é capturado pelas autoridades, mas será mesmo ele quem tem cometido tais crimes? E que motivos poderiam desencadear tal violência? Revenge: A Love Story é filme violento e cruel, onde impera um realismo negro de arrepiar, tendo sido classificado para M/18 em Hong Kong. Mas tem em si também uma bela história de amor.

Dividido em cinco capítulos a que acresce um capítulo final, tudo nos é contado no devido momento. Um flashback, que acontece por volta da metade do filme, responde-nos a muitas questões e, de repente, tudo faz sentido. O actor Juno Mak encarna (e muito bem) o excelente protagonista desta trama, e foi ele quem deu também a ideia para o argumento, cheio de detalhes muito interessantes, e com um final imprevisível. Está mais do que recomendado.

GHOST STORY OF YOTSUYA, de Nobuo Nakagawa   *6/10*

Dentro da retrospectiva Japão Retro está Ghost Story of Yotsuya, um clássico do cinema de terror japonês, realizado por Nobuo Nakagawa, em 1959. É um filme que deve ser visto, e pensado, tendo em conta a época em que se insere, trata-se de uma história de terror e de samurais. Iemon é um samurai que faz tudo para alcançar o que ambiciona, mesmo que tenha de descer o mais baixo possível, matando, sem remorsos, todos os que se revelarem um obstáculo no seu caminho. Contudo, os fantasmas das suas vítimas vão querer vingança e não o deixarão em paz. Baseado num conto japonês, o amor e traição, a par da vingança estão bem presentes em Ghost Story of Yotsuya.

Não há grandes desempenhos, e poderão haver momentos um pouco hilariantes aos olhos actuais, mas o certo é que este é um filme de grande dimensão se pensarmos na época em que surgiu. A própria caracterização e efeitos especiais conseguem fazer arrepiar e impressionar. O filme marcou uma importante viragem na linguagem cinematográfica do cinema de terror japonês.

Há ainda mais dois dias e muitos filmes para ver no MOTELx.

2 comentários:

Sam disse...

Excelente resumo de três dias prolíferos e, pelas tuas palavras, satisfatórias de cinema de terror.

Espicaçaste-me imenso a curiosidade relativamente aos VAMPIRE e REVENGE: A LOVE STORY :)

Continua esta óptima cobertura do MOTELx!

Cumps cinéfilos :*

Inês Moreira Santos disse...

Aconselho muito a visualização desses dois títulos. :)

Cumprimentos cinéfilos :*