sexta-feira, 21 de março de 2014

Já Vi(vi) este Filme, por Jorge Pontes

Já Vi(vi) este Filme
Por Jorge Pontes, do Laboratório de Séries

“The past is a story that we tell ourselves…”

Para falar de filmes eu não sou a melhor pessoa. Não tenho muita cultura, admito, e ainda que tenha tantas influências na minha vida que me pedem que o faça, talvez seja a minha eterna preguiça que me impede de me mexer. Ou isso, ou a falta de alguém que me impulse a isso mesmo: a conhecer.


Deste Her, que me apaixonou desde o primeiro minuto, consegui rever-me no casal que torna esta história tão humanamente envolvente. Quem não pensou, ainda, no quão fracos nós podemos ser quando estamos vulneráveis? Mas, ao mesmo tempo, no quão fortes nós somos por conseguir, no meio disso tudo, encontrar a força que nos leva até ao topo e enfrentar o que mais nos assusta? Para mim, este foi um filme tão real quanto o observar da luz do sol atravessar a minha janela e bater-me, suavemente, na cara, todas as manhãs e acordar-me como se alguém me pusesse a mão na cabeça e calmamente me despertasse. Por um lado, não deixo de me sentir como o Theodore, sempre com uma mente tão activa, tão intensa e ao mesmo tempo vibrante e preocupante… sempre a pensar no que é melhor para si próprio, sempre a vaguear pela vida à procura de algo que lhe preencha tanto como lhe preencheu aquele divórcio falhado, a procura, incessante, de fazer novas e boas memórias, de alicerçar a vida, que já vai bem carregada pelos anos e pelo passado. Por outro lado, e quase ao mesmo tempo que me sinto Theodore, sinto-me como a Samantha, a personificação virtual de um amor, de emoções e sentimentos tão intensos, tão puros e tão inocentes. Ela que, claramente, contrabalança com a racionalidade de Theo, mostra-se no perfeito oposto e, como se diz na sabedoria popular, na perfeita atracção.

Não sei explicar com quem deste par me consigo caracterizar mais. É estranho. Há sempre alguém com o qual nos revemos nos filmes. Mas com este é diferente. O Theo apaixona-me pelo passado problemático que podia muito bem ser o meu, e até certa extensão o é. Samantha acaba por ser o presente (e eu bem gostaria que fosse o futuro), porque passou de ser uma amiga a uma companheira de todas as horas, sempre disponível para ouvir e acalmar. Mas, no entanto, a Samantha, a meu ver, acabou por se tornar numa reinvenção do passado de Theo, quando ela própria se começou a explorar e a evoluir e a querer ser mais do que aquilo que era. Acabou por dizer que não mudava, acabou por pedir que a aceitasse mas o que vou aceitar eu, quando se evoluiu tanto ao ponto de não te reconhecer? E, no fim de tudo, o futuro acabou por ser a pessoa que, há muitos anos, se pensava que não duraria nada. O futuro acabou por ficar bem mais rico, porque foi na solidão que encontraram a presença que tanto queriam e a felicidade que tanto imaginaram.

Her acaba por ser a minha personificação. Ou, neste caso, as minhas duas personificações. Uma delas onde reina a razão e a percepção do meu redor, de que tanto faço uso para procurar uma felicidade duradoura e, a outra, baseada puramente nas emoções que tanto me dá de felicidade como de tristeza. Vejo-as como duas pessoas distintas, vejo-as como irmãos gémeos que caminham de mão dada porque uma não pode viver sem a outra e são as duas indissociáveis do meu ser. E no entanto, estão tão separadas como está a Europa da América, separadas por um oceano de tantas dores, de tantas vivências, de peças de um puzzle que todos os dias procuro (re-)construir. A cada dia que passa, a reconstrução torna-se mais fácil e mais suportável. Talvez porque aceito tudo aquilo que fui e tudo aquilo que sou, agora mais fortemente que nunca. Talvez porque começo a perceber os limites. Talvez porque me começo a aperceber que sou humano, que cometo erros, que falho mas que também tenho coisas boas.


Her é isso mesmo. Uma busca por nós próprios, uma busca desenfreada por aquilo que nos faz felizes, sem nunca esquecer o que já fomos. Não consigo não deixar de acreditar nesta frase: “O passado é uma história que contamos a nós próprios”. E contamos porquê? Para tudo ser mais fácil? Talvez. Para nos aceitarmos? Para olharmos as pistas ao longo de toda a nossa vida, pistas que nos definem e nos dizem quem somos? Muito provavelmente. Her conseguiu olhar para mim, conseguiu chegar-me cá dentro. Consegui ser este filme e este filme ser eu. Seja através da maravilhosa banda sonora ou através da belíssima fotografia, tudo pareceu fazer sentido, pareceu que estava a ver o filme da minha vida. Her é o filme da minha vida. É simples, é interessante, arranca sorrisos e arranca choros. Que mais podia pedir eu, quando tenho a certeza que já vivi e continuarei a viver este filme?

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Obrigada pela tua participação, Jorge!