quarta-feira, 23 de julho de 2014

Crítica: Ida (2013)

*9/10*

Da Polónia, Ida apela a uma profunda reflexão sobre religiões, família, passado e presente, e, principalmente, que implicações pode ter esse passado nas decisões futuras. Pawel Pawlikowski mergulha por entre as sequelas do nazismo, por entre os dilemas da religião, na experiência e no conhecimento da vida.

Tudo acontece na Polónia dos anos 60, onde Anna é uma noviça, prestes a celebrar os votos definitivos para se tornar freira no convento onde vive desde que ficou órfã em criança. Contudo, antes da celebração, a madre obriga-a a conhecer a única familiar viva, a tia Wanda. Juntas, as duas mulheres embarcam numa viagem à descoberta de si próprias e do passado que têm em comum.

Ida surpreende-nos pela sua abordagem forte, mas sem juízos de valor. Tal como Anna, saímos do âmago da religião católica para conhecer o seu passado, as suas origens e a tragédia em redor da sua família. Anna descobre um mundo novo, a sua nova realidade, o seu verdadeiro eu. Afinal, a identidade religiosa de cada um pode viver independente do passado e na ausência da experiência ou constrói-se à medida que cada um cresce enquanto pessoa, conhecendo-se primeiro a si e ao mundo? A reflexão fica lançada para o lado do espectador, mas cabe à jovem protagonista tomar as decisões.


Ao conhecer Wanda, Anna fica exposta a uma realidade que desconhece. A tia é o oposto da sobrinha. Uma mulher magoada, de vida vulgar, que introduz, inevitavelmente, Anna às tentações do mundo. A inocência e pureza guardadas tantos anos num convento são agora postas à prova com a convivência entre estas duas mulheres tão diferentes mas de personalidade definida.

Ao passarem alguns dias juntas, Anna e Wanda são uma lufada de ar fresco na vida uma da outra. Ambas trazem novos pontos de vista, novas experiências, ambas lutam por dar dignidade aos familiares mortos. Os opostos atraem-se também nas relações familiares, ao que aqui parece. Crentes em diferentes religiões, tia e sobrinha são um desafio mútuo. Wanda, juíza de profissão, assume uma função quase divina, já que tem (ou teve) o poder de decidir o destino de muitos. Anna, por seu lado, ingénua e submissa, é um desafio para uma mulher aguerrida como Wanda. Cada uma delas é para a outra a personificação daquilo em que não acreditam ou defendem. As duas mulheres trazem reciprocamente mudanças fundamentais, para o melhor e para o pior. É este o argumento subtil mas desafiador que Ida nos oferece e que não queremos parar de descobrir.

Pawel Pawlikowski não tem medo de tocar em temas-chave e quase tabu. Tanto a desumanidade do nazismo, como o choque de religiões estão aqui no centro da questão, aliados à construção da identidade de cada um, aos seus dilemas e inquietações. Tudo é filmado com uma simplicidade e calma como o cinema pede - e que tanto escasseia ultimamente. As emoções são adquiridas mais pelas expressões, gestos e atitudes do que pelas palavras. Os planos fixos são uma constante e transbordam uma tranquilidade inquietante, como as almas destas duas personagens. Nem tudo nos é revelado à primeira, um breve olhar sobre algumas imagens faz-nos imaginar aquilo que não vemos, e que apenas confirmaremos num plano mais aberto que surgirá de seguida.


O excelente trabalho de fotografia alia-se na perfeição aos cenários, desolados, por entre árvores, caminhos, cemitérios e casas antigas, que convidam à solidão. Nas interpretações, Agata Kulesza e Agata Trzebuchowska formam uma dupla sóbria e aliciante para o espectador, com desempenhos que contrastam em energia, mas que se unem nas emoções que transmitem e nas dúvidas que partilham.

A preto e branco e no formato académico 1:37, Ida leva-nos numa viagem íntima e envolvente a um passado não tão longínquo assim, e a duas vidas que não poderemos esquecer nos próximos tempos.

3 comentários:

Geraldo Nogueira disse...

So tenho uma pergunta: Porque Ida é melhor que Relatos Selvagens?

Na Bagagem Mais 50 disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Na Bagagem Mais 50 disse...

E pq é melhor que Leviatã e Timbuktu? Que são maravilhosos