quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Crítica: Um Ano Muito Violento / A Most Violent Year (2014)

"When it feels scary to jump, that is exactly when you jump, otherwise you end up staying in the same place your whole life, and that I can't do."
Abel Morales
*8/10*

O convite irrecusável de J.C. Chandor para entrarmos numa viagem à máfia dos anos 80 chegou com Um Ano Muito Violento. O ambiente sujo e sombrio de Nova Iorque, as desconfianças que nos fazem olhar por cima do ombro a todo o momento e um inusitado mafioso ingénuo e cheio de sentido de justiça e moral ao comando como protagonista fazem desde filme um marco no cinema recente.

Na Nova Iorque de 1981, um ambicioso imigrante luta para proteger o seu negócio e a sua família ao longo do ano mais perigoso da História daquela cidade.

Aqui está uma aposta ganha, e única nos tempos que correm. Um Ano Muito Violento é cativante e envolve-nos num ambiente do qual temos saudades. Se o juntássemos aos famosos Coppola ou Scorsese dos anos 70 e 80, notaríamos muitas diferenças? Parece-me justo afirmar que não. A irónica história do mafioso mais honesto que conhecemos, que anseia por justiça no meio de uma sociedade brutal e corrupta fará as delícias dos fãs de um género que parecia esquecido para o cinema actual. O ponto de partida é inteligente e começa desde logo no título: nada como inserir o nosso lutador protagonista na Nova Iorque mais violenta de que há memória. Ali está a nossa anfitriã. Seguimos o protagonista pelas ruas desertas, pelas estações de comboio grafitadas, seguimos os camiões de combustível pelas estradas intransitáveis, onde o perigo espreita pelos espelhos laterais. No meio desta cidade suja e insegura vamos temer pelas personagens que vemos e vamos ansiar pela justiça que teima em chegar.


Oscar Isaac incorpora o nosso protagonista Abel Morales, imigrante, homem de negócios do ramo dos combustíveis, que se vê, de repente, com problemas em várias frentes que põem em jogo o seu trabalho, família e tudo o que construiu. Perante as adversidades, Abel coloca o orgulho de lado, rebaixa-se, corre atrás de culpados e clama por justiça. Isaac tem uma interpretação sóbria e sentida, com a caracterização a contribuir para o seu aspecto de homem maduro, que sofre na luta por salvar o seu sonho. Ao seu lado, uma mulher dos "diabos", a sua esposa, Anna Morales ou Jessica Chastain num registo mais agressivo e provocador - que parece estar no sangue da personagem -, e extremamente protectora da família, mesmo que isso envolva atitudes menos comuns. Ela não é bem aquilo que parece, e a actriz tem aqui uma das suas melhores performances.


A realização de J.C. Chandor abrilhanta o argumento, relativamente simples, mostrando-nos Nova Iorque como já não a víamos há muito tempo. Uma aura pesada paira sobre ela - a mesma que se sente na banda sonora -, uma espécie de névoa, quase invisível, deixa-nos desconfortáveis e receosos, tal como às nossas personagens. A fotografia é fabulosa e leva-nos nesta viagem no tempo, a esta cidade sombria e de negócios obscuros, onde direcção artística, caracterização e guarda-roupa fazem igualmente um trabalho muito competente.

Chandor supera-se a cada filme e nós alinhamos em entrar na sua visão deste ano muito violento nova-iorquino. Abel e Anna fazem-nos companhia entre máfia, jogos de interesses e insegurança e ensinam-nos a deixar de ser ingénuos... porque, provavelmente, ninguém é totalmente honesto.

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