terça-feira, 6 de junho de 2017

Em Português: Vale Abraão (1993)

Criei uma nova rubrica para divagar um pouco sobre cinema português. Será o lugar certo para publicar pequenos textos sobre filmes portugueses que tenham tido algo de especial para mim. Começo com Vale Abraão, de Manoel de Oliveira.


Ema é apaixonante. Não admira os tantos corações que arrebata. Mas a personagem tem tanto de bela como de trágica, o condão perfeito para uma história inesquecível.

Vale Abraão tem uma aura bucólica mágica, diálogos hipnotizantes, poéticos, uma protagonista singular, uma tragédia romântica que rodeia a eterna insatisfeita, Ema, a Bovary portuguesa.

No Vale do Douro, Ema (a belíssima Leonor Silveira) vive com o pai e torna-se numa mulher bela e sensual com um irresistível gosto pelas ficções românticas, que acaba por nunca conseguir encontrar plena satisfação junto dos homens, desde logo casando com um médico que nunca amou. Na sequência de uma intensa vida social, Ema envolve-se com três homens sempre numa constante busca de paixões e desafios. A sua beleza e audácia valem-lhe o epíteto de Bovarinha, uma versão moderna e portuguesa da Bovary, de Flaubert.


Quase três horas e meia de filme e não me canso. Quero ver mais, sinto-me contagiada pelo ritmo, que deixa assimilar bem emoções e segredos, perco-me nos planos fabulosos, nas belas paisagens do Douro, e nas simbologias, tão premonitórias, que o filme nos vai dando.

Ema é desafiadora, provocadora, uma mulher à frente no seu tempo, que diz o que pensa, faz o que bem entende, não tem medo de escândalos, não vive de aparências. "As mulheres não têm que ler livros", dizia alguém a certo momento, Ema é a excepção, ou será antes a razão? É, sem dúvida, a insatisfação, que vive numa incessante procura de estímulos que a façam sentir viva.


Ema e o seu chapéu a surgir entre as laranjeiras ou uma jovem Ema de rosto inexpressivo junto de uma gaiola com canários enquanto constata: "Disparate! Vou-me casar e nem sequer gosto dele", são dois dos inúmeros momentos que ficarão, para sempre, na memória. Na sua quase infinita filmografia, Manoel de Oliveira deixou-nos em Vale Abraão um dos seus filmes mais belos e poéticos.

2 comentários:

Anónimo disse...

Estas imagens, estes textos são nossos. Porque ainda permanece este distanciamento entre nós e as nossas histórias é algo que não consigo compreender. Sobretudo, quando a maior parte das pessoas (quase) nunca vê filmes portugueses. E muito menos de Manuel de Oliveira :(. Tenho um carinho especial pelo primeiro que vi - Non ou a Vã Glória de Mandar. Vou acompanhar a rubrica ;).

Inês Moreira Santos disse...

Obrigada, Anouk. É também para chamar a atenção do que de bom se faz por cá - e que muita gente desconhece totalmente - que criei esta rubrica. Pelo menos posso partilhar o meu amor pelo cinema português. :) Pode ser que suscite a curiosidade de alguém a descobrir mais.