terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Crítica: Detroit (2017)

"You don't talk about this to anyone, ever."
Krauss

*8/10*

Kathryn Bigelow já nos habituou a viagens no espaço ou no tempo, onde nos coloca no meio de um  conflito, normalmente, a guerra, e Detroit não é excepção. A máquina do tempo da realizadora leva-nos, desta vez, a 1967, à cidade que dá título ao filme, entre motins e violentas demonstrações de ódio racial.

Duas noites após o início dos motins de Detroit, o relato de um tiroteio nas proximidades de uma zona controlada pela Guarda Nacional fez com que o Departamento de Polícia de Detroit, a Polícia Estadual do Michigan, a Guarda Nacional do Michigan e um segurança privado invadissem e controlassem um anexo do vizinho Motel Algiers. Desrespeitando as regras em termos de procedimentos, vários polícias interrogaram de forma enérgica e perversa hóspedes do motel, levando a cabo um “jogo de morte”, numa tentativa de intimidar e levar alguém, fosse quem fosse, a confessar.


Clamamos por justiça, quase tanto como as vítimas neste filme, inspirado em factos reais. É arrepiante a violência física e psicológica a que a câmara de Bigelow nos expõe e a cineasta não pretende ser meiga. É fundamental alertar, mas, mais que isso, mostrar, denunciar, com base em todos os relatos ou arquivos da época.

A câmara não pára, tal como é inquietante o ambiente dentro e fora daquele Motel. Trememos e tememos por aqueles jovens encostados à parede. Condenamos e testemunhamos a brutalidade e falta de ética e escrúpulos daqueles polícias, mas somos mais uma testemunha silenciada. A realizadora sabe como exaltar os nossos ânimos sem alaridos, sem exageros, é tudo cru e realista.

No elenco, John Boyega e Will Poulter são os grandes motores da narrativa, num completo paradoxo de valores. Eles são a personificação da dicotomia "bem vs. mal" na acção. Boyega tem provavelmente a melhor interpretação da sua carreira e parece que a personagem do segurança privado Dismukes lhe deu a maturidade que Star Wars não foi capaz de dar. O jovem actor encerra em si um dilema imenso, quer proteger os inocentes mas mostrar que também está ali para fazer cumprir a lei. Sofre, sente-se intimidado, mas também intimida os polícias brancos no Motel. Releva-se uma personagem inesperada e fundamental para Detroit.


Will Poulter é o demoníaco agente Krauss, totalmente racista, violento, ignorante e cobarde. Aproveitando-se do poder que a farda e uma arma lhe dão, age por impulso, por medo, não tem valores nem ética. Poulter consegue construir uma personagem completamente repugnante que faz a plateia desejar que se faça justiça.

Kathryn Bigelow e Mark Boal reforçam o seu talento como dupla corajosa ao trazer, com dignidade, para o grande ecrã acontecimentos passados que nunca poderão ser esquecidos. Depois de Estado de Guerra e 00:30 Hora Negra, Detroit vem confirmar como esta parceria funciona.

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