domingo, 16 de dezembro de 2018

Opinião - Séries: Sara (2018)


*9/10*



Sara
ultrapassa barreiras, tão depressa passa da comédia ao drama, satiriza-se a si mesma e atinge, por diversos momentos, um estatuto delirante. Sara é uma série portuguesa com grande potencial de exportação. Nunca se viu nada assim.

Toda a ideia de Bruno Nogueira transpira genialidade - de génio e de louco, temos todos um pouco, e deve ser por isso que Sara nos diz tanto. Na realização, Marco Martins faz-nos esquecer que estamos a ver televisão, construindo quase um híbrido de plataformas (sem esquecer que a série teve antestreia no IndieLisboa, um festival de cinema). Às vezes, parece que o ecrã é o do cinema e para tal muito contribui o bom trabalho da direcção de fotografia. A adicionar a esta dualidade, surge a música e a literatura com temas de B Fachada e textos de Valter Hugo Mãe, apropriados pelas personagens da série (Tónan Quito e António Durães, respectivamente).

Ao longo da série, acompanhamos Sara Moreno, uma actriz de 42 anos, que começa a questionar as suas escolhas profissionais até ao momento. Conhecida pela sua densidade dramática no teatro e cinema, e pela facilidade em chorar nos papéis que interpreta, de repente, Sara deixa de ter lágrimas. Com o pai doente, abandona a rodagem do seu último filme e vê-se forçada a entrar no mundo das novelas, redes socais, sessões fotográficas para revistas cor-de-rosa, transformando totalmente a sua vida.

Nestes oito episódios que passam a correr, acompanhamos a tentativa de adaptação de Sara a um novo estilo de vida, as suas frustrações e dúvidas. Que turbilhão de sensações!


Beatriz Batarda encarna Sara, a actriz de cinema que se rende à televisão, tal como a própria, com um currículo quase exclusivamente dedicado à Sétima Arte. Começam aí as ironias e coincidências. Estas continuam com as ideias preconcebidas que sempre associamos aos filmes portugueses, as revistas cor-de-rosa e os paparazzi sempre à espera da melhor oportunidade, entre tantas outras. A sátira às novelas é certeira, mas é igualmente eficaz a crítica a quem as condena. A personagem de Nuno Lopes, o galã João Nunes, é, por sua vez, um estereótipo muito curioso, cheio de fragilidades, escondendo uma inesperada sensibilidade até ao último episódio.

Sara faz-nos pensar, ao mesmo tempo que surge o equilíbrio - também é preciso não pensar, as novelas são o símbolo máximo disso mesmo -, e faz-nos rir dos momentos mais nonsense possíveis. Faz-nos chorar com duros dramas familiares ou dilemas psicológicos - onde surge a questão da dignidade da morte. Faz-nos enlouquecer com a consciência (aka agente, interpretado e bem por Albano Jerónimo) da actriz que a persegue e persuade a render-se àquilo que ela mais critica.

O meio audiovisual nacional é muito bem desconstruído em Sara e entre ataques, caricaturas e sátira, revelam-se igualmente a compreensão e até o lado mais puro do que parece apenas superficial. Sara sabe rir de si mesma, constrói-se através dessa sabedoria e é por isso que resulta. O background e influências de Marco Martins e Bruno Nogueira fundem-se para criar este universo tão inspirado na própria Beatriz Batarda, e piscam-nos o olho de quando em quando ao longo dos oito episódios memoráveis. Queremos mais!

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