segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Crítica: Variações (2019)

"E quem te disse que eu me quero adaptar a Lisboa? É Lisboa que se vai adaptar a mim."
António Variações


*7/10*

O ícone da música pop-rock portuguesa António Variações renasce no cinema (e nos palcos) através da interpretação fulgurante de Sérgio Praia. As semelhanças são arrepiantes. As cores, a voz, os olhares, as paisagens transbordam saudade e nostalgia daquilo que muitos nunca viveram e outros pareciam ter esquecido.

Variações, de João Maia, é um dos filmes mais aguardados de 2019, ano em que o cantor comemoraria 75 anos de vida e se contam 35 do seu desaparecimento. Foi um parto difícil para o realizador e argumentista, mas já está cá fora para se mostrar ao Mundo e fazer viajar no tempo. 

Variações retrata a vida de António Joaquim Rodrigues Ribeiro, barbeiro e figura de Lisboa no final dos anos 70, perseguindo o sonho de se tornar cantor e compositor, apesar de não saber uma nota de música. O filme foca o processo de transformação na persona de António Variações, artista excêntrico e popular cuja carreira fulgurante foi interrompida pela sua morte em 1984.


Eis a viagem no tempo que João Maia nos proporciona, através de uma direcção artística cuidada e atenta e caracterização e guarda-roupa a fazerem o resto do trabalho. Quando nos vemos na Lisboa do final dos 70, inícios de 80, entramos facilmente na vida de António e na sua luta diária para alcançar o sonho de ser cantor. Tornamo-nos íntimos.

Sérgio Praia é o actor a incorporar o cantor que alcançou o sucesso no início dos anos 80 e continua a deslumbrar todas as gerações que ouvem a sua música. As semelhanças entre os dois são imensas e o actor tem uma presença fenomenal - é ele próprio quem dá voz aos temas de Variações. Já merecia uma personagem assim. O actor absorve a magia do artista e transfigura-se, quer em gestos, movimentos, expressões, tudo com uma sensibilidade e doçura encantadoras. Em grande parte, é ele o motor da longa-metragem, que dificilmente funcionaria tão bem com outro protagonista. Bravo, Sérgio!

A banda sonora recupera os temas que vamos trautear baixinho ao longo do filme, com muita vontade de dançar, e ter um arrepiante déjà vu quando vemos e ouvimos Sérgio Praia a dar voz às canções que eternizaram o cantor.


Apesar de tudo de bom que Variações nos traz - a nós, plateia, e ao cinema português no seu todo, que deve aprender a preservar a memória dos seus artistas -, sente-se que poderia haver mais coesão. Há momentos em que nos sentimos verdadeiramente envolvidos, com planos sequência intensos, outros quase de êxtase, com a câmara a colar-nos a António; enquanto em outros momentos, sentimos um corte brusco, a poética perde-se, dando lugar a uma objectividade que nos desprende drasticamente das boas sensações anteriores. Queremos deixar-nos embalar pela câmara e pela voz e sonhos de Variações, mas nem sempre o filme nos proporciona isso. Quando o faz, sim, é eficaz.

Historicamente, tenho pena de não serem retratados alguns momentos-chave de António Variações na televisão (em O Passeio dos Alegres, por exemplo), ou mesmo o encontro com Júlio Isidro na sua barbearia.

Confesso a minha admiração imensa por António Variações, e o meu respeito pelo trabalho árduo que João Maia teve na autêntica batalha que foi fazer este filme. Variações recupera a memória de um dos maiores nomes da História do país e comemora-o nas salas de cinema, para que nunca o esqueçamos.

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