domingo, 29 de março de 2020

Entrevista: João Nunes Monteiro, protagonista de Mosquito

Em Janeiro de 2020, Mosquito, de João Nuno Pinto, abriu o Festival Internacional de Cinema de Roterdão e não passou despercebido. A estreia em Portugal aconteceu a 5 de Março e, pouco tempo depois, os cinemas nacionais fecharam devido à pandemia que assola o globo. Em tempos difíceis, será na plataforma de VoD Filmin que o público poderá dar a Mosquito a atenção que ele merece. O filme estará disponível a partir de 3 de Abril. A crítica do Hoje Vi(vi) um Filme pode ser lida aqui

A propósito desta estreia online, e depois da entrevista ao realizador João Nuno Pinto, falámos com o actor protagonista, João Nunes Monteiro.

Créditos: Filipe Ferreira
Descobrimos-te no grande papel como protagonista de Mosquito, Zacarias, de ar franzino, e tenra idade. Como surgiu a oportunidade?

João Nunes Monteiro: A oportunidade surgiu por audição "aberta", - ou seja estava anunciada publicamente - , e que um amigo me enviou por mensagem.

As filmagens em Moçambique aparentam ter sido duras, em especial para ti, com um papel muito físico - e também muito exigente psicologicamente. Como te preparaste para a personagem e como foram as filmagens?

João Nunes Monteiro:A preparação para a personagem consistiu numa preparação física: regime de dieta (que se prolongou durante toda a rodagem) e treino, várias caminhadas (descalço ou calçado), preparação e ensaio de cenas mais físicas que iria ter de filmar; e tentar saber como executar certas particularidades deste guião, como tremores pelo corpo todo - o qual agradeço ao Victor Hugo Pontes por mo ter ensinado. Um outro aspecto foi toda a pesquisa teórica e histórica que me ajudasse a situar no tempo aquela personagem. E, para isso, foi recorrer a tudo o que me fosse possível: livros sobre a História de Portugal no início do século XX, memórias e diários de soldados, literatura da época. Aceder aos jornais daqueles anos de guerra foi particularmente importante, pois deu-me a noção clara do ambiente nacionalista e fervoroso que estava a ser propagado pelo país. Infelizmente, não é tão fácil encontrar informação específica sobre a participação de Portugal na Primeira Grande Guerra em Moçambique como é em França. Depois há todo aquele trabalho mais difícil de descrever pormenorizadamente, que é o de imaginar. De ler o guião muitas vezes, de imaginar o que será a história que está ali a ser contada, do que poderia ser eu naquelas circunstâncias iguais às do Zacarias. Durante todo o processo de preparação, qualquer estímulo do mundo exterior serviu para tentar relacionar-me com a caminhada (literal e metafórica) do Zacarias. E, por fim, provavelmente o mais importante desta preparação, foram as sessões de coaching que tive com o Filipe Duarte. Ele teve um papel fundamental em transmitir-me segurança e confiança para o trabalho que se adivinhava. Sem o apoio dele (que também reforçou durante os dias em que esteve em Moçambique a filmar) teria sido uma tarefa bem mais difícil.

Penso que as filmagens foram duras para todos. Tudo o que eu faço no filme foi acompanhado por uma equipa, sempre nas mesmas circunstâncias, e, em especial, pelo Adolpho Veloso, o incrível director de fotografia do filme. Claro que houve dificuldades acrescidas pelos locais onde filmámos e os recursos que estavam à nossa disposição, mas, acima de tudo, a intensidade vem de ser um trabalho praticamente diário, de uma disponibilidade e estado de alerta permanentes e de uma exigência que eu tentei ter comigo. Eu sabia que tinha uma grande responsabilidade neste filme e para com a equipa. Mas, felizmente, esta mesma equipa e o João Nuno facilitaram-me sempre (e muito!) o que eu tinha para fazer. Além dessa dureza, houve também momentos de alegria e camaradagem, que em nada são análogas à experiência solitária do Zacarias.


Há algum momento que te tenha marcado especialmente?

João Nunes Monteiro: Não consigo apontar um único momento que me tenha marcado; toda a experiência marcou-me. Foram dois meses, cheios de acontecimentos que foram vividos quase na mesma intensidade. Mas sem dúvida que me ficaram guardadas num lugar muito especial as pessoas, as da equipa de rodagem (que tanto cuidado e apoio tiveram comigo), os actores e figurantes com quem contracenei, as que conheci em Moçambique; e os locais lindos de Moçambique em que tive o privilégio de estar (como a Reserva Natural de Maputo, a Ilha de Inhaca, Namaacha, Nampula... todos na verdade).

Qual foi o maior desafio deste papel?

João Nunes Monteiro: O maior desafio foi, talvez, tentar aprender a lidar com a responsabilidade que tinha neste projecto. Era clara a importância do Zacarias no filme e, nesse sentido, toda a preparação terá ajudado. Era importante que esta personagem tivesse uma construção e fosse empática ou que, de alguma forma, as pessoas conseguissem relacionar-se com ela. No entanto, há sempre um lado que não é controlável ou capaz de ser previsto, e eu tinha de estar disponível para essa realidade quando estivesse a filmar. Uma espécie de fé que, tudo aquilo que eu não tinha decidido antes mas que fosse acontecer ou fazer, trouxesse ainda mais "humanidade" ao Zacarias.

O momento da estreia de Mosquito coincidiu com a chegada do Covid-19 a Portugal. Entretanto, com a estreia no Filmin (no próximo dia 3 de Abril), como esperas que seja a receptividade do público português a Mosquito e ao Zacarias?

João Nunes Monteiro: Prefiro sempre tentar não criar expectativas ou esperar seja o que for. E, se tivesse dúvidas, bastava olhar para o que está a acontecer agora no mundo, para entender que há variáveis que alteram inesperadamente o curso das coisas. Já me sinto feliz pelo filme estar a ter esta alternativa de continuidade e esta oportunidade para chegar às pessoas.


E daqui para a frente, que projectos te aguardam?

João Nunes Monteiro: Bem, com esta situação nova que estamos a viver, é difícil responder a essa pergunta de uma forma concreta. Temos, pelo menos até à data de hoje, um mundo em suspensão. Ainda assim, seja num futuro mais próximo ou mais distante, encontrar-me-ei no teatro, seja com FAKE, um espectáculo de Inês Barahona e Miguel Fragata; É p'ró menino e p'rá menina, de Catarina Requeijo; e Margem, de Victor Hugo Pontes.

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