terça-feira, 19 de setembro de 2017

Crítica: Arranha-céus / High-Rise(2015)

"You know, you look much better without your clothes on. You're lucky. Not many people do." 
Charlotte
*9/10*

Um arranha-céus como metáfora da estratificação social é a proposta de Ben Wheatley em Arranha-céus. Consegue criar um universo à parte, tão perto da cidade onde quase todos trabalham. Aquilo que se pretendia como a edificação perfeita depressa se transforma numa descontrolada rebelião dos mais pobres contra os mais ricos, da imoralidade contra os valores instalados.

Em 1975, o Dr. Robert Laing (Tom Hiddleston) muda-se para um novo apartamento a 3 km Oeste de Londres em busca de isolamento e anonimato, mas vai-se apercebendo que os outros residentes do edifício não têm nenhuma intenção de o deixarem em paz. Resignado às complicadas dinâmicas sociais que se desdobram em seu redor, Laing aceita o seu fado e começa a conviver com os seus vizinhos. À medida que luta para estabelecer a sua posição social, as boas maneiras e a sanidade de Laing começam a desintegrar-se a par com o edifício. A luz está sempre a falhar, os elevadores deixam de funcionar, mas a festa continua. 


Um retrato irónico e actual de uma sociedade de loucuras e excessos, onde as aparências iludem e onde todos querem o mesmo. Num arranha-céus com super-mercado, spa, ginásio, piscina e tantas outras comodidades luxuosas e exuberantes - como um jardim no último piso -, são as pessoas quem começa o descarrilamento em série.

Ali não há tempo para dormir, à noite o álcool, as drogas e o sexo tomam conta da festa, de dia, o normativo impera, e cada um procura o seu carro no enorme parque de estacionamento rumo ao emprego. Ao final do dia, o ciclo repete-se, numa rotina incomum. Naquele prédio não há lei nem regras - tão perto e tão longe da civilização.


O argumento é genial e tem por base o romance homónimo de J.G. Ballard. Imoral e decadente, Arranha-céus consegue ser tão actual que assusta. Aquele isolamento estratificado, já de si com falhas por corrigir, é o rastilho para que o ser humano regresse ao que de mais primitivo tem em si. O instinto comanda todo e qualquer um dos habitantes do edifício, independentemente da classe social, porque, afinal, somos todos iguais.

Ben Wheatley cria um conjunto de sensações atordoantes, que se misturam com o emaranhado de corpos que se tocam nos corredores do arranha-céus. As cores, lânguidas ou vibrantes, transmitem ainda mais a loucura que ali se vive. Ao mesmo tempo, planos cativantes, o uso da câmara lenta em ocasiões-chave, um caleidoscópio pelo meio e eis que a obra nasce.

Tom Hiddleston oferece-nos um Dr. Laing à altura do filme, que deambula entre o homem equilibrado, atormentado pelo passado, e o instinto de sobrevivência a sobrepor-se à boa-educação. Jeremy Irons é tão somente ele mesmo, elegante e carismático, com o perfil de líder que lhe é indissociável. Elisabeth Moss é uma das mais puras personagens deste arranha-céus de horrores, Sienna Miller é a mulher sensual e insatisfeita que guarda um segredo que a torna vulnerável, e Luke Evans é o mais boçal e de discurso incendiário, mas, ao mesmo tempo, o mais lúcido daquele prédio.


Extremamente visual e com uma narrativa brilhante, Arranha-céus tardou mas chegou aos cinemas para proporcionar uma experiência perigosa mas extasiante.

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