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sexta-feira, 5 de março de 2021

Participação no Podcast OBarrete: Especial Top 5 Filmes dos anos 80

Aceitámos o simpático convite do Bernardo Freire, Diogo Passos e Tiago Ferreira para participar no podcast OBarrete e falámos sobre bons filmes da década de 80. 🎬 Podem espreitar a página d' OBarrete aqui.

Ouçam (ou vejam) as nossas sugestões no Youtube, SpotifyiTunes ou Anchor.

Podcast O Barrete - Especial Top 5 Filmes dos anos 80

sábado, 6 de junho de 2020

filmSPOT e os 10 Melhores Filmes Portugueses de Sempre

Para assinalar simbolicamente a reabertura dos cinemas, o site de cinema e televisão filmSPOT lançou o desafio a mais de 100 personalidades ligadas ao cinema português, bem como da sociedade e cultura em geral, para que escolhessem aqueles que, para si, seriam os melhores filmes portugueses de sempre.


O resultado foi uma lista de 10 títulos que fazem uma interessante síntese da História do Cinema nacional, mas que são, principalmente, uma forma de (re)descobrir os nossos filmes, ainda mais numa época tão difícil para a Cultura. E porque o Cinema Português está longe de se esgotar nos 10 títulos mais votados, eis que foram também reveladas as listas individuais dos participantes. Porque há mesmo muito para conhecer.

Da minha parte, foi um gosto participar com a minha lista individual e ajudar na elaboração dos contactos. A experiência foi excelente e, certamente, susceptível de reestruturação. A ilustrar a publicação estão os desenhos fabulosos do artista gráfico Rui Cavaleiro

segunda-feira, 25 de maio de 2020

Participação no podcast Prestes a Ver de Daniel Reifferscheid

Há poucas semanas, recebi o convite, da parte do Daniel Reifferscheid, para participar no seu podcast Prestes a Ver, onde o autor "parte à descoberta do cinema português, acompanhado por um convidado diferente em cada episódio". Para a conversa, escolhi o último filme que vi no cinema, antes do confinamento: Mosquito, de João Nuno Pinto.


Deixo-vos aqui o resultado final - com spoilers -, e renovada recomendação para que todos assistam ao filme, que vale muito a pena - está disponível no Filmin.


segunda-feira, 22 de abril de 2019

Colaboração: Revista Vou Ali e Venho Já - Tóquio

Há alguns meses, recebi um atrevido convite para fazer uma viagem a Tóquio sem sair da frente do computador e visitá-lo de um ponto de vista cinéfilo.


O resultado está na Revista Vou Ali e Venho Já.

Como explicam no site: "Vou Ali e Venho Já é a primeira revista de viagens em que, efetivamente, ninguém sai do lugar. Falamos de percorrer o mundo à boleia do Google Maps - Street View, explorando e descobrindo lugares novos com a ajuda do famoso mapa interativo. Numa publicação online, trimensal, gratuita e aberta à contribuição de todos, partilhámos olhares e reflexões sobre sítios que temos oportunidade de desvendar através do ecrã."

Podem encontrar o meu texto Atrás da Tela a partir da página 15.

Obrigada aos mentores do projecto:
Daniela e Artur - https://www.palavrapadrao.com   

sábado, 31 de março de 2018

Sessões Descontraídas em Abril nos Cinemas NOS

Os Cinemas NOS promovem as Sessões Descontraídas, ao longo do mês de Abril. Estas destinam-se a famílias ou grupos com crianças pequenas, pessoas com condição do espectro autista, deficiências sensoriais ou intelectuais ou com défice de atenção, e são desenvolvidas em colaboração com as associações Acesso Cultura e Vencer Autismo.


As sessões vão decorrer no mês de Abril, aos Domingos pelas 11h00, nos Cinemas NOS Colombo e Cinemas NOS NorteShopping.

Estas sessões de cinema distinguem-se das restantes pois realizam-se com condições especiais de luz, som e projecção e com regras mais tolerantes no que diz respeito ao movimento e barulho do público. Tudo para criar uma atmosfera mais descontraída destinada a reduzir níveis de ansiedade e a permitir uma experiência mais agradável ao público a que se destina: famílias ou grupos com crianças pequenas, pessoas com défice de atenção, com deficiência intelectual, com condições do espectro autista, com deficiências sensoriais ou de comunicação.

A directora executiva da Acesso Cultura, Maria Vlachou, explica que “existem muitas pessoas que não vão ao cinema porque receiam incomodar os outros ou porque não se sentem confortáveis numa sala completamente às escuras ou com o som muito alto. Estamos neste projecto a aproximá-los da magia da sétima arte tal como qualquer outra pessoa, num ambiente inclusivo, na companhia dos seus familiares e amigos”.

A programação das Sessões Inclusivas será a seguinte:

8 de Abril - Gnomeo & Juliet: Sherlock Gnomes

15 de Abril - Peter Rabbit

22 de Abril - Paddington 2

29 de Abril - Gangue do Parque 2

Para além do cinema, as Sessões Descontraídas incluem teatro, dança ou outro tipo de oferta cultural que decorrem numa atmosfera mais descontraída e acolhedora, nas condições acima descritas. A programação de Sessões Descontraídas nas várias áreas pode ser consultada aqui: https://acessocultura.org/servicos/sessoes-descontraidas/

quinta-feira, 18 de junho de 2015

O Filme da Minha Vida, por Edgar Pêra

O Filme da Minha Vida
por Edgar Pêra

As Aventuras de Buckaroo Banzai na Oitava Dimensão não é o melhor filme do mundo (mas qual é? para mim de certeza que não é Vertigo) nem consta das listas de melhores filmes de sempre, no entanto é o filme que mais vezes vi. Nunca o visionei numa sala de cinema mas vi-o mais de 4 dezenas de vezes numa sala de tver. Porque vi Buckaroo tantas vezes? Qual seria o motivo? Antes de mais, Buckaroo estimula no espectador o estatuto de fã (de cinema de culto). Os fãs convencionais de ficção científica tinham Star Wars e Star Trek, nós tínhamos Buckaroo.

Vi Buckaroo pela primeira vez em 1985, na companhia de correligionários e parceiros de aventuras, amigos das áreas do cinema, da escrita e da música pop/rock. O ambiente era quase sempre de festa. Estes visionamentos selvagens aproximavam-se das sessões dos primórdios do cinema, em que os espectadores ainda não se encontravam domesticados. Procurávamos alternativas de modos de viver e de criar no cinema de tendência trans-realista e Buckaroo foi o catalisador de dezenas de noites de galhofa e transe. Conhecíamos os diálogos e todos os pequenos detalhes de nonsense que a narrativa comportava. A arte do filme estava nos nossos olhos. Totalmente descomplexado, Buckaroo era sincrónico com os nossos propósitos: fazer ruir o sistema de sobriedade vigente.

Escrito por Earl Mac Rauch e realizado por W.D. Richter, As Aventuras de Buckaroo Banzai Através da Oitava Dimensão é o resultado da harmonia total de pormenores, do guião ao casting, da banda sonora minimal pop aos adereços ecológicos alienígenas low-fi, tudo se combina para produzir uma pequena pérola de cine-paródia, que assenta nessa constante revelação: “isto é apenas um filme”.

Mas afinal quem é Buckaroo Banzai? Buckaroo Banzai é um (super)crioulo nipo-americano renascentista: neuro-cirurgião, astrofísico cantor e guitarrista rock, piloto de ensaio, protagonista de um comic (da Marvel), e líder dos Hong Kong Cavaliers, cuja sede é um ultra-sofisticado autocarro (inspirado numa capa de um disco de Elvis Costello) que os leva em tournée. Richter procurava no actor que interpretasse Buckaroo alguém que pudesse parecer heróico mesmo cheio de graxa na cara e que ao mesmo tempo projectasse a inteligência que associamos a um neurocirurgião ou inventor. Escolheu Peter Weller - o Buckaroo perfeito, com os seus olhos azuis cristalinos e penetrantes, actor-guitarrista-cantor multifacetado como o herói que interpreta. O naipe de personagens rivaliza com o de filmes como Casablanca: todos os actores são espectacularmente idiossincráticos, com um destaque especial para o Dr. Emilio Lizardo, interpretado por John Lithgow. É graças a esta personagem monty-pytonesca - um cientista italiano possuído por um lectróide do planeta dez da Oitava Dimensão - que o filme entra literalmente noutra dimensão, de delírio puro. É também graças a Lizardo que a palavra flashback se materializa pela primeira vez numa película (ver foto).


Esta paródia trans-realista, que começa como se fosse o comic-book número 123 de uma série, não se preocupando em explicar as múltiplas ramificações narrativas implícitas nos diálogos entre personagens com nomes como Perfect Tommy e  New Jersey (para além de que John é o primeiro nome de todos os invasores alienígenas – e não são poucos). O filme abre com Buckaroo Banzai a operar o cérebro de um esquimó para pouco depois pilotar um carro supersónico e atravessar uma montanha, entrando numa zona negativa infra-atómica, habitada por criaturas lovecraftianas em rota de colisão com o seu veículo. A pretexto dos relatos radiofónicos de Orson Welles de uma invasão extraterrestre, que geraram o pânico nos Estados Unidos, o argumentista encontrou uma solução inter-textual e inter-media (da rádio ao cinema, da realidade à ficção) e cozinhou uma premissa genial: e se a invasão de 1938 tivesse sido real e os invasores Lectróides tivessem raptado Welles, obrigando-o a radiodifundir que a invasão alienígena era apenas de uma encenação (e desde aí ocuparam o nosso planeta, camuflados)? E tudo isso explicado ao piano por Jeff Goldblum vestido de cowboy-palhaço?

Os alienígenas-bons desta fita imitam rudimentarmente a cultura terráquea: são pseudo-rastas que comunicam através de uma gramática invertida (sujeito depois do verbo) e de uma linguagem gestual estilo alien-hip-hop. O filme não pára nos créditos finais (que Wes Anderson citou em The Life Aquatic with Steve Zissou): são um cine-épico de simplicidade, entre a passagem de modelos e o desfile carnavalesco de uma banda pop. E ainda hoje há quem aguarde ansiosamente pela sequela anunciada no fim do filme (quem me dera ser eu a fazê-la, claro).

Buckaroo é um filme para quem não tem medo de não saber tudo e nesse sentido influenciou-me tanto como Eraserhead. Quis mais tarde criar no espectador dos meus filmes essa mesma sensação, de que um filme é um mistério, que merece múltiplas visitas de espírito aberto.

As Aventuras de Buckaroo Banzai Através da Oitava Dimensão é à primeira vista o típico filme de aventuras pós-moderno, repleto de citações e clichés reciclados, da pulp fiction (Doc Savage) e de séries de ficção científica (Outer Limits) mas, a meu ver, vai muito mais longe do que os seus companheiros de viagem, quer seja  Indiana Jones ou até Jack Burton de Carpenter (que conta também com um argumento de Richter). Como afirma o recém convertido Bowes, a atenção que o filme exige do espectador coloca-o numa categoria diferente de outros filmes de (regresso ao) entretenimento. Buckaroo é um filme que se insere na tradição da cine-paródia, aderindo à ideologia do série B-ismo, ridicularizando e desconstruindo convenções do género, criando novas regras e atitudes. Sem proselitismos nem austeridades. Querem melhor de um filme menor?  

Termino citando uma expressão confucionista de Buckaroo: “No matter where you go… there you are”

*texto adaptado de artigo para revista Argumento.
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Edgar Pêra é realizador e na sua extensa filmografia encontramos títulos como A Janela (Maryalva mix), O Barão ou, mais recentemente, Virados do Avesso - entre muitos outros.

Agradeço ao Edgar ter aceite o meu desafio!

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Já Vi(vi) este Filme, por Inês Moreira Santos

A iniciativa do Hoje Vi(vi) um Filme, Já Vi(vi) este Filme, chegou ao fim. Aos que participaram, obrigada. Obrigada por nos terem deixado entrar numa parte da vossa vida, por partilharem com o mundo momentos um pouco mais pessoais que os textos que escrevem nos vossos espaços da Internet. Era este o grande objectivo desta iniciativa. Dar a conhecer um outro lado de cada blogger e, ao mesmo tempo, fazer-nos mergulhar num Cinema que pode ser muito mais real do que se pensa.

Para terminar, deixo-vos o meu Já Vi(vi) este Filme.

Já tive esta sensação de dejà vu mais do que uma vez ao assistir a filmes - acho que nem o preciso dizer, já que o nome deste blog o diz logo à partida. Podia escolher Submarine (como o Ricardo Rodrigues) e relembrar a minha fase Oliver Tate, ou (500) days of Summer, e preferir o Outono ao Verão, Inception e os sonhos dentro de sonhos que já tive muitas vezes (tal como o Frederico Daniel), Aniki Bobó e regressar à infância e às brincadeiras na rua, A Laranja Mecânica e os copos de leite (o Sebastião Barata diz-se testemunha), Beginners e relembrar alguns dos momentos mais tristes e outros mais felizes, Thelma & Louise e adaptá-la a uma versão adolescente (e com um final diferente) em que, com a minha melhor amiga, corria riscos e explorava o mundo, mas optei por uma animação mais tranquila que diz muito a cinéfilos e não só.


Toy Story 3. O capítulo final (que se calhar ainda não é o final, mas gostávamos todos muito que fosse) da história de Andy e dos seus brinquedos. Não dei os meus preferidos a nenhuma menina fofinha como a Bonnie, mas o que realmente me faz ter vivido este filme é o carinho que sempre nutri pelos meus brinquedos (como a maioria de vocês, chorei e continuo a chorar naquele momento crucial da passagem do testemunho e das recordações). Tal como Bonnie e Andy também eu criava as mais fantásticas histórias quer com as barbies ou com carros, com o Dartacão e a Heidi (herdei-os eu dos meus primos mais velhos, qual Bonnie), os power rangers, o Son Gohan, e tantos outros brinquedos da moda ou não. Passava horas sentada no chão sozinha com os bonecos, criava cidades, aventuras mais ou menos perigosas... Será que na minha ausência também eles ganhavam vida e conversavam sobre o quanto gostavam de mim? Lá no fundo, espero bem que sim.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Já Vi(vi) este Filme, por Gonçalo Trindade

Já Vi(vi) este Filme
por Gonçalo Trindade, antigo membro do Ante-Cinema, membro do Ouve-se e da Nervos

Quando a Inês me convidou para esta iniciativa, não me veio de imediato nenhuma escolha óbvia à cabeça. Não tenho, acho, nenhum filme que se encaixe em mim como uma luva, ou que represente por completo aquilo que sou ou o que a minha vida é; isto como quem diz que, basicamente, a minha vida se desse um filme acho que dava um filme muito chato. 

E se calhar até dava, não sei. Mas o filme que escolhi, pelas razões que já aqui vou tentar explicar, não é de todo chato – muito pelo contrário. O Almost Famous, do Cameron Crowe, é provavelmente o filme do qual, a nível de percurso de vida, me sinto mais próximo. Estou aqui a fazer este texto para o blogue da Inês, que conheci exactamente porque escrevíamos os dois sobre cinema, mas a verdade é que foi na área do jornalismo musical que sinto que tive maior impacto e que fiz mais. Comecei pelo cinema, com uns quantos blogues só meus, depois uns sites, e eventualmente a revista Focus e a Guestlist TMN onde efectivamente comecei a ganhar dinheiro e a  ver com muito orgulho "Gonçalo Trindade" a ser impresso em papel no final dum artigo. 


Foi curioso porque desde muito novo que sempre quis cinema. Tentei entrar duas vezes no conservatório (spoiler: não entrei, não gostaram de mim na entrevista), e foi só quando entrei no meu curso de terceira opção em segunda fase que comecei a interessar-me mais por outras áreas. Foi no primeiro ano de faculdade que um amigo me convidou para escrever para uma revista online que tinha (a The Sound of a New Generation, que acho que ainda está por aí pela net), que comecei a encontrar mais gente que, como eu, também gostava de devorar concertos e CD's, e foi daí que o bicho foi crescendo e crescendo. Ir a concertos com credenciais, esperar no final pelos músicos para tentar uma entrevista, ir a casa de músicos entrevistá-los e perceber que se é demasiado novo para beber aguardente (mas estava óptimo na mesma, João Coração, a sério) – dava por mim a fazer isso, a conhecer gente que parecia tão mais da cena e tão mais fixe que eu, e a começar a achar que, se calhar, a música é mesmo de salvar vidas e de dar uns quantos ordenados pelo meio. Comecei por uma revista online, fui passando a sites por convite (um deles o Espalha-Factos, de que a Inês faz parte e que foi talvez o site onde efectivamente me comecei a mexer mais), e houve um ano da minha vida ou assim em que a minha rotina se resumia perigosamente a chegar a ir às aulas, ir para um concerto, ir dormir às tantas da manhã para poder acabar a reportagem a tempo, e depois acordar de manhã para ir às aulas e repetir tudo; era muito cansativo, mas adorava isso. 

Todo aquele entusiasmo todo que o William tinha no filme eu também o senti na pele; toda aquele entusiasmo e toda aquela inocência também. Não acompanhei nenhuma banda em digressão, nem vi drogas ou orgias (mas também se tivesse visto provavelmente não dizia isso aqui, certo? Estou a brincar, não vi mesmo nada disso), mas escrevia a achar que as pessoas iam ler, que ia poder fazer vida daquilo, e que no final até ia ficar amigos de alguns músicos. A primeira aconteceu mais ou menos, a segunda não aconteceu de todo, e a terceira aconteceu por completo. 

Sabem perto do final do filme, quando o William volta para casa depois de não ter o artigo publicado? Eu fiquei um bocado nessa fase, sem a parte de no final haver o twist de ter um artigo como capa da Rolling Stone. A revista Focus fechou, a Guestlist TMN também, e às tantas o amor à camisola que tinha por escrever à pala para tantos sites começou a perder poder e o amor por outras coisas começou a ganhar (como, por exemplo, começar a perceber que há gente que liga demasiado a gostos musicais no geral, e que mais vale alguém ter bom coração que uma boa colecção musical; ou que andar em cima da cena musical e a descobrir músicas novas é fixe, mas arranjar um emprego e independência é melhor). Olho para o Almost Famous e vejo ali um jovem muito parecido ao jovem que já fui (jovem ainda sou, mas agora sou um jovem diferente), com o mesmo entusiasmo e a mesma paixão que eu já tive em muito mais quantidade que a que tenho agora; ainda adoro música, e ainda gosto de escrever (isto está a ser divertido), mas outras paixões foram surgindo e é preciso arranjar espaço e amor para todas. O filme de Crowe é, de certa forma, muito sobre uma certa fase da nossa vida que acaba por ter um fim normal e que dá lugar a uma fase melhor (pelo menos no meu caso). Ainda sinto aquele entusiasmo e aquela inocência toda, mas hoje em dia foco-a mais em outras coisas que não a música. O William provavelmente acabou a fazer vida do jornalismo musical – eu não. Arranjei outro emprego que adoro, e se calhar depois deste hei-de arranjar ainda outro noutra área completamente diferente. Nesse sentido, se calhar o Almost Famous até não é tanto sobre aquela particular fase em que escrevia que nem um doido e mais sobre as várias fases que provavelmente ainda vou ter. 


E, de certa forma, é também sobre o quão bom é ter uma coisa (a música, neste caso) que nos entusiasme ao ponto de querermos viver disso. Depois essa coisa passa, ou não resulta, e acabamos por achar outra; se calhar com o William também foi assim, e nós é que não sabemos. Mas, dê por onde der, essas paixões acabam por ficar e simplesmente vão perdendo um pouco a intensidade para dar lugar a outras; é um bocado como aquelas relações que acabam e no final sentimos que não foi desperdício nenhum e que ficam as memórias e um crescimento enorme. Ainda terei muitas, certamente, e no final cada uma há-de deixar as suas marcas. De certa forma, somos todos um bocado como o William: só queremos poder trabalhar na área que adoramos e dedicar-nos a isso por completo. Uns conseguem encontrar isso mais facilmente, outros não; outros encontram fora do emprego, até. Mas o que isso é vai mudando (pelo menos acho que agora, nos 20 e tal, tem mudado), até uma pessoa assentar por completo. O Almost Famous é, portanto, apenas parte duma viagem muito longa, e não o destino. E essa viagem é tal como o filme em si: muito, muito boa, e muito muito entusiasmante. Mas com menos calças à boca de sino, hoje em dia. 

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Obrigada pela tua participação, Gonçalo!

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Já Vi(vi) este Filme, por André Marques

Já Vi(vi) este Filme
por André Marques do BLOCKBUSTERS


Toda a experiência humana encontra-se limitada pela metade.

Desde o momento em que a primeira célula que irá gerar um novo ser humano já possui a informação no seu ADN se será, por exemplo, um homem ou mulher, verificamos que todo o percurso temporal da vida de cada um de nós começa logo nos 50%, e a nossa experiência global, seja a nível fisiológico, hormonal, social, intelectual, psicológico, etc, vai-se reduzindo sempre que tomamos uma decisão, opção ou escolha, seja no acto mais banal como no mais comprometedor.

E o que é que isto tem a ver com o filme A Última Hora, perguntam vocês. Bom, aparentemente nada, contudo esta obra aborda de uma forma muito única e peculiar as escolhas que vão definir o nosso futuro, ou levar a consequências por vezes opostas e contraditórias, que levam a um caminho mais penoso ou mais feliz, sendo que após qualquer tipo de decisão tomada, nós apenas conhecemos efectivamente esse caminho, ou seja, somente uma face da moeda, e tudo o resto são meras possibilidades.

Penso que por este motivo qualquer um de nós consegue rever-se em parte neste filme, principalmente na parte final da narrativa, nem que seja pelo facto de reflectir sobre a sua própria vida e as escolhas que o/a levaram ao ponto em que se encontra.


Pessoalmente este filme de Spike Lee marcou bastante a minha juventude, e revejo-me aqui numa decisão que tomei no passado, tendo a consciência que iria definir o meu futuro de uma forma marcante (não sendo um caso de prisão ou não, como na narrativa do filme), sendo que até hoje não consegui saber quem seria eu neste momento da minha vida, caso tivesse optado pela outra opção, algo que nunca irei saber, apenas conseguirei especular e pensar sobre o assunto, colocando hipóteses e possibilidades que nunca se irão materializar.

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Obrigada pela tua participação, André!

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Já Vi(vi) este Filme, por Ricardo Rodrigues

Já Vi(vi) este Filme
por Ricardo Rodrigues do Espalha-Factos


Desde que acabei o ensino básico tinha a mania de passar a vida no videoclube mais próximo da secundária. Gostava de olhar para a capa dos filmes, estudá-las minuciosamente e decidir quais eram os três filmes sortudos que vinham para minha casa, nessa altura a semanada era gasta na promoção do “leve 3, pague 2” da House Movie e foi assim que tropecei no Submarine.

Lembro-me como se fosse hoje. Tinha eu perto dos meus 16 anos quando olhei para uma curiosa capa de um DVD, ela tinha um rapaz atravessado por uma linha azul e Submarine escrito em letras maiúsculas amarelas e encarnadas. Achei curioso e nada sabia do filme, nem olhei para sinopses mas algo me disse para o alugar, assim o fiz.

Logo nos primeiros minutos senti a conexão. A cena em que Oliver Tate, perfeitamente encarnado por Craig Roberts, vai perguntando para o ar quem ele era, indagando sobre si mesmo, especulando sobre a vida no geral. Lembro-me de pensar que aquela personagem tinha sido escrita para mim, só o podia ser! Ela percebia demasiado bem o meu interior, a minha agitada e importunada alma de um adolescente que quer descobrir o significado da vida e o seu papel no mundo.

Tate vai fazendo uma lista dos seus problemas e duas suas questões fulcrais, dá como exemplo as vezes em que se imagina numa realidade completamente desconexa para saber mais sobre a sua própria vida. Lembro-me que ele especula como seria o mundo se, do nada, ele partisse. E, sendo eu um miúdo bastante à parte do resto da comunidade do secundário, dava-me vezes sem conta a especular e divagar entre cenários de diferentes géneros, ia desde finais apocalípticos a sociedades distópicas, namoros proibidos a entediantes vidas passadas na terrinha, viagens pelo mundo a previsões futurísticas. O mundo dentro da minha cabeça era, simplesmente, muito mais interessante ao monótono dia-a-dia a que estava agrilhoado e senti que Tate também pensava desta maneira.


Lembro-me de chegar ao fim do filme completamente abalado. Submarine tinha-me tocado como muitos outros filmes não o conseguem fazer, a história, a personagem e os problemas da mesma eram demasiado idênticos. Aos 16 anos descobri este filme, mas sinto que ele é que me descobriu. Fez-me ficar mais apaziguado comigo mesmo, saber que as inseguranças e os frenéticos pontos de interrogação que assombram a nossa cabeça são mais que normais numa idade de descoberta que é a adolescência. Fez-me sentir, pela primeira vez no meu secundário, integrado em algum lado e o cinema passou a ser, de uma vez por todas, a minha maior preocupação.

É simplesmente incrível o poder que o cinema consegue ter, abala-nos, marca-nos e instala-se nos nossos corações por longos, longos anos. Ele é mágico e enfeitiça-nos de uma maneira que só seremos libertados no fim dos nossos tempos. 

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Obrigada pela tua participação, Ricardo!

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Já Vi(vi) este Filme, por Pedro Ponte

Já Vi(vi) este Filme
por Pedro Ponte, da revista Umbigo


A minha capacidade de me identificar com um filme e de ver nele paralelismos com a minha própria vida sempre foi elevada. Talvez isto tenha a ver com capacidade de empatia, que sempre existiu em doses exageradas em mim, mas seja como for, haveria, tenho a certeza, dezenas de filmes que me fizeram reagir com o tal "já vivi isto" que a Inês procura. Mas o mais recente a fazê-lo como um acidente de automóvel violento foi o novo de Spike Jonze, que olha para as relações - humanas, não apenas amorosas - pela perspectiva de um homem algo alienado num futuro distante ou não tão distante quanto isso onde as novas tecnologias chegaram ao ponto de permitir adquirir um sistema operativo com consciência própria. Felizmente, não sou solitário e/ou patético a esse ponto, mas acho que já o fui -- e este filme lembrou-me de forma um pouco sufocante períodos da minha vida em que senti tudo aquilo que o Theodore sente. Nos piores desses períodos, não duvido que teria cedido às pressões de uma sociedade consumista e tecnologicamente oportunista, principalmente se viesse com a voz da Scarlett Johansson. Hoje, não só não cederia como rir-me-ia da ideia. Amanhã, não sei nem quero saber.
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Obrigada pela tua participação, Pedro!

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Já Vi(vi) este Filme, por Daniel Curval

Já Vi(vi) este Filme
por Daniel Curval, do Unraccord


A trilogia de Richard Linklater tem para mim um valor de quase guilty pleasure, mas no sentido da expressão que ironiza com a nossa vida. Quando vi o primeiro filme "Antes do Amanhecer" (1995) tinha uns vinte e tal anos bem consolidados, passado por sustos tipo "eu sou muito novo para ser pai" e por desilusões que me levavam a procurar abrigo nas salas de cinema. Num desses dias que ansiava pelo conforto num filme, assisti ao "Before Sunrise". Foi então aí que conheci este par de namorados em Viena, assisti a tudo em real time cinematográfico, que não é o nosso tempo. Não fiquei maravilhado com o filme, já era muito exigente com os filmes na altura (imagine-se agora, burro velho), mas achei a Celine e o Jesse dois bons simpáticos amigos, daqueles que só encontramos nos filmes e nos livros. Saio da sala do cinema e só tinha uma ideia na cabeça "raio, só eu é que não encontro miúdas como aquela Celine", é preciso dizer que um tipo que responde que lê Balzac aos vinte e poucos está bem fodido com as gajas, mas subi a parada, passei a dizer que só lia banda desenhada, Astérix e coisas assim, também não acharam piada, que era coisa de putos, "foda-se, de putos?! olha-me esta a falar mal do Astérix e do Óbelix". Mudei de estratégia, "então que andas a ler?", "nada de especial" respondia com ares de desinteressado. "Vá lá" atacavam elas, "olha, leio literatura até ao século XVI e em latim", os olhos delas diziam qualquer coisa como "olha-me este tótó, vai-te foder ó pseudo-intelectual" abria-se um hiato de silêncio e falávamos do tempo, que se calhar ia chover. Em abono da verdade, que fique aqui registado, que não sei ler latim, nem grego e de português só até antes do novo acordo ortográfico. E até ao século XVI só conheço umas coisinhas leves, tipo "umas poesias". Os anos vão passando, e eu vou-me entretendo (porque como diz o poeta MF "temos de nos distrair da morte e não sabemos muito bem como.") com umas gatinhas de dia e outras de noite, que todas são pardas, night and day ao sabor de jazz, black and white ao sabor da pele. Disse-me uma há pouco tempo, que se deve sempre falar de gatinhas quando se escreve. Ela anda num curso de escrita criativa, deve saber do que fala. Onde é que eu ia? ah, com os planos orçamentais do amor a derrapar em todas as linhas dos gráficos excell, resolvi adoptar uma prática de austeridade nos gostos literários, e agora quando me perguntam o que ando a ler, respondo "clássicos e poesia, uns ensaios pelo meio, fundamentalmente sobre cinema e fotografia". Se dantes se riam ou me chamavam de parvo, agora só tenho direito ao desprezo. Elas fazem-me tão feliz no silêncio dos lençóis. And i don't give a shit. Todavia, eu sou a prova viva e humana, que aqui não há robots, que a austeridade não dá resultados nenhuns. Cheguei a 2004 na boémia e bon vivant, já tinha estado em Paris e tudo. Quando estreia o "Before Sunset" não podia deixar de ir ao rendez-vous com aqueles amigos que conheci numa sala escura de um qualquer cinema. Encontrei-os mais maduros, mais cheios de vida, tanta que nunca esqueci aquela frase de Jesse dirigida a Celine, que era mais ou menos "se me tocas, desfaço-me em moléculas", eu na altura também andava desfeito. Somando aos diálogos inteligentes, a cidade de Paris e a Nina Simone estava o caldo entornado para ficar com este filme como um afecto cinematográfico (repito muitas vezes esta palavra, para dar um toque de longa-metragem ao texto). "Antes do Anoitecer" é o meu "teremos sempre Paris". Nunca mais quis rever estes dois primeiros filmes, estou a pensar fazer agora, para ver se os afectos continuam ou se sequei que nem uma figueira. Ano da (des)graça de 2013, estou nos "entas", expressão tão feia que alguns cotas (outra feia) tanto usam, enfim, alguns tornam-se ridículos, outros novos-ricos, outros desempregados, outros políticos e outros divorciados. Eu continuo a parecer que tenho menos idade, do que aquela que marca no B.I. (ainda não tenho cartão de cidadão, que chatice). Elas agora dizem que sou como o melhor vinho do porto. Não sei. Mas gosto muito de vinho tinto, e dizem que faz bem a tudo, deve ser por isso. Como o Jesse, quando deixo crescer a barba os pêlos brancos revelam-se, dá-me um ar de bandido, diz a minha mãe. Como ele com a escrita, detesto quando me perguntam se a fotografia é para mim um hobby. Quem me faz uma pergunta dessas tem logo o meu desprezo e silêncio. Ah que me esquecia, também, adoro e acho sexy os quartos de hotel. Os três, isto é, o Jesse a Celine e eu estamos cansados da vida, do mundo, deixamos de ter tempo e paciência para a estupidez, para a inveja, a hipocrisia e o cinismo. Como ao Jesse, a mim interessa-me cada vez mais o humor, o despojamento, ele passeia entre oliveiras na Grécia, eu junto ao mar em Portugal. A Celine tornou-se a mulher dos sonhos dos homens que pouco querem, para além de paz e saúde, mesmo com aquele french big ass. Estamos todos mais velhos. Passaram-se 18 anos. "Before Midnight" é o terceiro filme, espero que termine aqui, quero apenas ficar com estes filmes-afectos como uma trilogia e não quero que se tornem numa telenovela. Richard Linklater, nosso amigo na sombra da tua câmara de filmar, não voltes a esta história, deixa-a seguir a sua vida, permite que faça a passagem de que falas no filme.

"Antes da Meia-noite" foi pensado e realizado não como um filme, mas como um livro, um romance. Divide-se em capítulos ou partes, são umas 6 ou 8, tenho de voltar a ver em DVD para melhor dissecar o filme. E passa-se em 6 cenários apenas, estando sempre presentes Jesse e Celine, são eles: no interior do carro; na casa dos amigos gregos; a passear nas ruínas; a passear na povoação; no interior do quarto do hotel, e por último, antes da meia-noite numa esplanada. Estes seis cenários são filmados com o mínimo de planos possíveis, recorrendo a enormes e belíssimos planos-sequência, enquanto assistimos a intermináveis conversas e diálogos inteligentes, outros nem tanto. O argumento, às vezes, resvala nos lugares-comuns. Como em Portugal, nalguns cinemas, se faz intervalos, achei de início a primeira parte medíocre, tinha visto a sequência da conversa entre Jesse e Celine no interior do carro em plano frontal e a sequência na casa dos amigos gregos. Até aqui, nada de especial, banalidades, conversa sobre a crise do matrimónio, da meia-idade, clichés sobre sexo, o homem e a mulher, os dejá vu habituais, etc, eu bufava de tédio e cogitava desiludido "como ficaram os meus amigos". Sete minutos de intervalo, escrevo as primeiras notas sobre o filme no meu moleskine e de imediato me lembro da frase do meu avô "o amor é cagar". Há quase um ano atrás tinha lido "O Colosso de Maroussi" de Henry Miller, o livro é sobre a passagem do Miller em 1939 pela Grécia. Depois de ler o livro fiquei apaixonado, tal como Henry, pelo país, pelo povo e pela paisagem, pela cultura já era. Quase que fiz as malas e abalava de imediato para aqueles anfiteatros de paisagens divinas e céus e mares da maravilhosa mitologia grega. Porém antes, fiz a asneira de verificar o saldo bancário. Um aventureiro nunca faz isso. Fiquei-me pelo Google Earth, a cavalo dado não se olha o dente.

Linklater, optou e bem por filmar na Grécia, o filme precisa daquela luz intensa, os personagens também. A narrativa na segunda parte torna-se forte e empolgante, cresce como uma metáfora mitológica, o filme parece que faz um volte-face, estava derreado no chão, qual herói grego e levanta-se. Todavia, não foi o macho a reerguer o filme, foi uma heroína, foi a Celine, foi a Julie Delpy que lhe dá a cara e o corpo, que agarra no filme como num minotauro, toma-lhe a rédea, e faz uma interpretação fabulosa. Isto acontece precisamente à noite, no interior do quarto do hotel. Antes, Linklater tinha andado com eles a passear e no fim, para descansar da conversa entre homem e mulher, oferece-lhes umas bebidas numa esplanada, invoca o livro de Jules Verne e o filme de Éric Rohmer e segreda-lhes a lenda do fenómeno do Raio Verde ao crepúsculo. Voltemos à espantosa sequência no interior do quarto do hotel, era para ser uma noite de amor e transforma-se numa enorme discussão e crise matrimonial, o crash instala-se, segredos por revelar como traições, questões de maternidade e paternidade, feminismo, machismo, tudo filmado com uma mestria exemplar, há uns campos e contra-campos absolutamente perfeitos, aqueles em que Ethan Hawke (Jesse) ao falar para a Julie Delpy (Celine) é filmado em plano frontal como se estivesse a falar para nós e o inverso, Julie Delpy a falar para nós também em plano frontal de corpo inteiro enfrenta o espectador. Nesta sequência ainda temos, quanto a mim, dos mais importantes planos, do peito de uma mulher de quarenta anos despidos. Não é a nudez per se, é como é filmada, sem glamour a beleza feminina em toda a sua naturalidade inocente. É uma mulher de 40 anos que estava a começar a ter sexo com o seu homem e que por causa de um telefonema, tudo descamba. Noutro filme, a personagem feminina ter-se-ia vestido ou coberto as mamas, como se existisse pudor entre um homem e uma mulher casados há vários anos e que se conhecem há 18. Claro que não há (se existir a questão é outra), Delpy (Celine) mantém-se naquela forma e estado entre o vestida e o meio-despida, a discutir como todas as mulheres o fazem tão bem, a argumentar e acabar dizendo ao seu homem Jesse (Ethan Hawke) que ele não é nenhum Henry Miller, nem na cama, nem na escrita. Poderosa. Chego ao fim do filme e fico a perceber toda aquela banalidade inicial, não é por acaso, ela é o símbolo da nossa vida de clichés, de repetições quotidianas, de palimpsestas conversas. O tédio, esse eterno companheiro de todos. Celine sai porta fora, vai para uma esplanada sozinha, Jesse vai ter com ela, diz-lhe umas graças e umas sentidas verdades, Celine rende-se ao inevitável sentimento do amor "Before Midnight".

Este texto estava para ter o título de "o amor é cagar" uma expressão muito cara e de autoria do meu avô, que a dizia muitas vezes, à janela do seu quarto com um cigarro de enrolar a queimar no canto da boca e uma boina preta basca na cabeça. Eu puto a brincar no terreiro com as ferramentas de carpinteiro dele, ouvia e só me ria de inocência, e da brejeirice das palavras sábias de um analfabeto. Esse meu avô teve sete filhos e sabia muito mais da vida do que eu sei agora.

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Obrigada pela tua participação, Daniel!

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Já Vi(vi) este Filme, por Susana Pacheco

Já Vi(vi) este Filme
por Susana Pacheco, do Mundo Poético, Mundo Frenético

“I feel old but not very wise”.
(Jenny)

Quando estamos a ver certos filmes, tal como determinados momentos da nossa vida, não nos apercebemos, no momento, que são determinantes para moldar a nossa história.

An Education de Lone Scherfig (2009) foi um filme que me marcou quando o vi, mas nunca me identifiquei tanto com a sua irreverente personagem principal Jenny (Carey Mulligan) como agora.

A trama decorre na Londres dos anos 60 e resume-se à aprendizagem de vida de Jenny, uma jovem adolescente e estudante, que larga os estudos de forma impulsiva e irreflectida, deixando Oxford para trás e os seus pais e professores desolados, quando se apaixona por um playboy com o dobro da sua idade David (Peter Sarsgaard), cujo estilo de vida boémio (e duvidoso) rapidamente colide com a boa educação da jovem…


É no sentimento de desilusão quase traumática perante outro ser humano que me identifico com este filme. Afinal aquele homem não foi nada do que Jenny idealizou e, de boa fé, (e até um pouco de inocência própria da idade) acreditou ser bom para ela. Uma grande mudança (de Londres para Paris) e uma fantástica aventura adquire o sabor agridoce e revela-se a sua má escolha, quando descobre a forma suja como David ganha o seu dinheiro.

Também eu experimentei este sentimento de desolação e coração partido de quando nos apercebemos que agimos depressa de mais, “aquela pessoa”, apesar de parecer resolvida na sua vida, misteriosa, e até afectuosa, não o é nestes termos e nunca nos viu como um bem precioso, muito menos uma prioridade. Aqui existem numerosas razões para alguém ser assim, mas viver focado na ganância e imerso no egoísmo pode muito bem ser uma delas. Afinal quem mudou a sua vida pelo outro? Quem deu mais de si?

Os sonhos e as vontades caem por terra e, afinal, nada foi para durar. Fica apenas o ensinamento de que, infelizmente, nem sempre os corações são puros, muito menos desinteressados, e as pessoas raramente são como as vemos mas como querem fazer parecer que são.

Esta é “uma outra educação” que, certamente, não aprendemos na escola. Por vezes não conseguimos fugir dela a tempo de evitar o sofrimento, mas acredito que se aprende sempre muita coisa. 


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Obrigada pela tua participação, Susana!

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Já Vi(vi) este Filme, por Sebastião Barata

Já Vi(vi) este Filme
por Sebastião Barata, do Milímetro a Milímetro e Espalha-Factos


Há muitos filmes nos quais já me revi. E quando me foi proposto escrever sobre um, a escolha não foi fácil. Vieram-me à cabeça títulos como Beleza Americana, A Vida é Bela, O Mundo a Seus Pés ou até o final do Toy Story 3. Mas a minha escolha acabou por recair num dos muitos clássicos do mestre Luis Buñuel, Este Obscuro Objecto do Desejo. É uma obra fascinante, que conta uma história bastante interessante sem deixar de lado o toque de surrealismo que marca a filmografia do realizador espanhol, que terminou a sua carreira precisamente com este filme.

Não há propriamente uma cena que me marque ao longo do filme. Aquilo que mais me toca é o facto da personagem feminina principal, a espanhola Conchita, ser interpretada por duas atrizes: Carole Bouquet e Angela Molina. As duas representam as diferentes faces de Conchita, uma mais comedida e tímida, outra mais provocadora e extrovertida, e vão aparecendo alternadamente conforme o estado de espírito da sua personagem.

Porque é que isto me toca? A verdade é que já me aconteceu por diversas vezes olhar para uma pessoa e não a reconhecer, dado que ela mudou tanto psicologicamente. Embora não de forma tão literal, perdi a conta às vezes em que um amigo, um conhecido ou até um familiar mostra uma faceta escondida com a qual não estava familiarizado e que faz com que passe a olhar para ele com outros olhos e veja alguém totalmente diferente. Embora já tenha tido a sorte de criar grandes laços de amizade com sujeitos com os quais nem me dava mas que, anos depois de os ter conhecido, se tornaram muito chegados a mim, na maior parte das vezes acontece a infelicidade de uma pessoa muito próxima se transformar em alguém pior, o que me causa grande transtorno. Esta é uma situação que está bem presente em Este Obscuro Objecto do Desejo, pois Mathieu, a personagem do incrível Fernando Rey, apaixona-se loucamente por Conchita mas acaba por ter grandes desgostos quando esta muda subitamente de personalidade.

Como nota final quero agradecer à Inês por me ter convidado para esta iniciativa.

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Obrigada pela tua participação, Sebastião!

domingo, 31 de agosto de 2014

Já Vi(vi) este Filme, por Alexx M.

Já Vi(vi) este Filme
por Alexx M., do 27 and counting stars!


Há semanas que ando a pensar nisto: com que filme é que identifico a minha vida? Sei que já vivi cenas dignas de Hollywood, sei que já vi filmes em que me senti como se os estivesse a viver, mas ter aquela sensação clara de que aquele filme reflete a minha vida (ou vice-versa), essa ainda não tinha acontecido. E eu continuei a pensar e a pensar até que no outro dia a ideia surgiu clara como a água. Estava a chegar ao trabalho e, pelo caminho, ia avançando na leitura do meu livro, só mais uma página, só mais um bocadinho... Cruzei-me com uma colega que me disse: "Nunca vi ninguém como tu, a ler e a andar ao mesmo tempo." E eu respondi sem sequer pensar: "Claro que viste. A Bela de A Bela e o Monstro também andava enquanto lia."

E a ideia ganhou raízes. A Bela e o Monstro sempre foi um dos meus filmes preferidos da Disney, pela história em si, pelas músicas de sonho, mas principalmente pela protagonista feminina. A Bela é a primeira princesa Disney a salvar-se a si própria e ao seu príncipe. É uma jovem louca por livros, de preferência histórias mágicas em reinos distantes, muito independente e senhora do seu nariz; corajosa, luta por aquilo que quer e defende a sua família com todas as forças. Pelo caminho, apaixona-se para lá das aparências e também luta por esse amor até ao fim. Por ser igual a si própria sem lhe importar o que os outros pensam, é muitas vezes apelidada de excêntrica e estranha.

Quando era pequena, a Bela era uma espécie de ídolo para mim; hoje, já adulta, vejo muitos pontos em comum e isso agrada-me. (In)felizmente, não vivo num conto de fadas e não tenho um príncipe mascarado de monstro; nesse aspeto, a minha vida é muito normal. Ainda assim, sinto magia no ar quando pego num livro, gosto de pensar que a minha vida tem banda sonora e quero ser feliz para sempre... É, a Bela podia ser eu. Para sermos iguais, só falta oferecerem-me uma biblioteca como a dela :)


(link para a versão portuguesa https://www.youtube.com/watch?v=0ghmUcod_Ko)

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Obrigada pela tua participação Alexx M.!

sábado, 23 de agosto de 2014

Já Vi(vi) este Filme, por Hugo Mamede

Já Vi(vi) este Filme
por Hugo Mamede do Passeio de Livros

Lost in translation afagou-me os nervos. Eu que nem sei falar de filmes, sei, no entanto, que me andava a chatear o ritmo histérico de tudo o que era cinema em meu redor, as odes heroicas, o amor romântico, os ideais oitocentistas de que as produtoras mais importantes do século XXI não queriam fazer o desmame. E então chegou-me, numa noite felizmente melancólica, a doce Charlotte e o desencantado Bob Harris e neles suspendi a crença de que o cinema é uma coisa à parte da vida real…

Bebes comigo um Vodka Tónico?


Bob era eu, naquela noite no bar. Com socalcos no rosto em vez de rugas e semblante de uma tonelada em vez do natural cansaço da idade. A única forma de liberdade resgatei-a do fundo das calças puídas desta coisa a que chamamos a natureza humana: um ancestral sentido de humor. Foi assim que falei com ela pela primeira vez, por palavras que eram de um desprezo feliz por este planeta alienígena. Estou a planear uma fuga daqui, queres vir comigo? Prometo que ficamos livres num instante!, disse-lhe eu, já adivinhando o desconforto que também lhe ia na alma. Claro que sabíamos que o problema era não haver sítio para onde fugir, foi por isso que nos rimos a sério e que continuámos a habitar aquele lugar.

Que língua falas, querida Charlotte?


Eu só sabia que ela me compreendia, tal como muitos animais sensíveis podem fazer (os alienígenas não). Só não contava que ela comunicasse comigo no meu próprio idioma. Claro que a Charlotte tinha namorado (também eu tinha uma mulher), claro que a Charlotte tinha pelo menos metade da minha idade (também aquilo não era mais do que uma espécie de amor fraternal), mas tudo isso não impediu que ela me falasse as palavras raras que fazem vibrar as entranhas, tal como acontece com um velho diapasão que afasta de si um manto de pó e torna à vida porque alguém o soube tocar… foi então que se produziu entre nós alguma coisa de música, um rastilho de significância.

Antes de te conhecer, Charlotte, era desterrado; depois de te conhecer, Charlotte, fui de cada parte onde estivemos.


Lembras-te, por exemplo, daquele bar de strip onde os teus amigos combinaram um encontro com o grupo todo e que nos causou uma admiração fabulosa? Se calhar, nem foi tanto por causa das mulheres que se metiam em posições de árvores retorcidas no inverno, mas porque, aos olhos um do outro, já não nos víamos como estranhos. E lembras-te daqueles chanfrados que nos perseguiam com umas armas de plástico que disparavam balas de borracha, por qualquer motivo que não nos cabia a nós compreender? E lembras-te de corrermos juntos para lado nenhum, bêbedos da alegria de estarmos juntos e do mundo não importar mais do que aquelas máquinas de Pachinko por onde desapareciam copiosas bolas de metal que não davam prémio nenhum?


Mas um dia beijei-lhe o canto dos lábios. Sim, beijei-lhe o canto dos lábios. Não há prelúdio para os dilúvios. Da lavagem de detritos ficou um humano de pleno direito. E ela beijou-me de volta o canto dos lábios, não sei se por falta de jeito ou porque descerrá-los provocaria uma falha tectónica num ecossistema que não era o nosso. Assim, só nos amámos por um instante, sem testemunhas nem vítimas. E quando chegou o momento de partir para a minha base de exploração espacial, longe daquele planeta e em direcção ao meu não menos incompreensível, saí do táxi para segredarmos uma última coisa ao ouvido um do outro que mais ninguém atrás dos ecrãs do cinema poderia compreender. Podia tentar eu lembrar-me do que era e talvez traduzir isso por palavras, mas mais vale dizer que era qualquer coisa de música. Pelo menos disso tenho a certeza.

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Obrigada pela tua participação, Hugo!

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Já Vi(vi) este Filme, por FilmPuff

Já Vi(vi) este Filme
por FilmPuff, do Not a film critic


Se ele há convites complicados de cumprir, este foi o mais complicado de todos. Ora então, viver um filme não é? Quem conhece o meu canto saberá certamente que os géneros de terror, thriller e ficção científica oriundos do este/sudeste asiático são os que mais me agradam. Tentei pois encontrar aí um ponto de encontro entre as expectativas (creio eu), da Inês que me fez tão simpático convite e o meu de, corresponder, sem fugir ao que mais me agrada. Falhei, pois, quase miseravelmente. Sei lá? A meios que não possuo nenhuma experiência em que me revejo acossada e em que grito feita histérica enquanto um qualquer monstro nas trevas me persegue. Não. Felizmente. Nem tenho pretensões de tal. Gosto de terror mas não sejam tão extremistas… Sou assim uma aborrecida e sensaborona funcionária pública (não sou mas finjam comigo), que entende como o mais próximo de excitante, a altura em que o ponteiro das horas atinge o número 6, a uma sexta-feira. E da escolha, feita parva, fui fugindo. Sou uma criatura de hábitos e, eis que a uma terça-feira decidi rever aquela comédia romântica que todos têm dentro de si mas são incapazes de admitir. Uma das “minhas” é My Sassy Girl. Julguem-me! E nessa terça-feira em que a revi, fiz um facepalm mental. Como é que esta criaturinha parva se podia ter esquecido daquela comédia romântica que até podia ser da Disney, se tirarmos a parte do alcoolismo e do vómito (mini-spoiler). E agora que já admiti que nas profundezas do meu ser se encontra uma romântica incurável deixem-me contar-vos onde é que My Sassy Girl é tão similar a eventos da minha vida que quase a podia ter copiado, à excepção, peculiar talvez, que o filme antecipou e prevê eventos da minha vida que se viriam a concretizar (yep, sou assim tão egocêntrica).


My Sassy Girl conta a história de um rapaz que salva uma rapariga obviamente alcoolizada de cair na linha do metropolitano. Quer o destino que eles acabem por viver uma improvável história de amor, de tantas vezes se cruzarem e de ele, com uma paciência apenas comparável à de um santo e, sim, arraçado de capacho, a querer salvar dela própria a despeito de um feitio irascível. My Sassy Girl é uma ode ao amor fora de tempo. A “rapariga” pois que nunca ouvimos o nome dela tenta sabotar de todas as formas e feitios o início de uma nova ligação amorosa. Identifico-me com ela, mas creio muitos outros, de qualquer dos sexos poderá ali encontrar um elo de ligação. O facto de ela não ter um nome é uma pista, porque no fundo “ela” sou eu, tu, o vizinho do lado e somos todos nós. Ela sente-se em ruínas, uma sombra do que uma vez foi por causa do passado e é ele que guia as suas acções aparentemente aleatórias. Por isso, por um lado deseja destruir qualquer hipótese de uma nova relação e, por outro, tenta recriar a anterior que tanta felicidade e sofrimento lhe provocaram. O desejo de reviver tais momentos agridoces, não são mais do que artifícios que não constituem qualquer aprendizagem para o momento presente. Talvez se, se reviver vezes sem conta os momentos especiais, consigamos mudar o futuro, talvez eles se tornem menos penosos… Haverá pois exercício mais masoquista? A rapariga exige e comanda atenção até ao cansaço da outra parte. Um comportamento motivado apenas e só para um final esperado, para que depois ela possa dizer a si própria: “eu bem te disse”. Como se fosse veneno e a única pessoa no mundo em sofrimento. Um mártir. Apenas e só na cabeça dela, egoísta, que enquanto não desligar da dor, não irá compreender o impacto que tem nos outros. O desgosto constitui um dos momentos mais solitários na vida de uma pessoa pois esta pede ajuda em tudo quanto faz, suplica conforto emocional e ao mesmo tempo, magoada como está, não é capaz de sentir empatia por quem está a desempenhar esse papel e magoa tão ou mais do que aquilo porque passou. E para uma relação sempre são precisos dois! My Sassy Girl é pois sobre o caos amoroso na cabeça de uma pessoa e o papel do tempo na sua resolução. Os outros, lamento, mas não pertencem à equação. São os denominados danos colaterais.


My Sassy Girl não será a melhor comédia romântica alguma vez realizada mas vale certamente pelo desempenho da rapariga (Ji-hyun Jun) e por uma história próxima do coração dos espectadores, independentemente da fase em que se encontram: 1) na expectativa de um romance maior que a própria vida, 2) que vêem com nostalgia um conto que podia ser o seu e 3) que se encontram a atravessar esse mesmo processo. Se este último for o caso, não se esqueçam de ter uns lenços Renova ao lado. E porque não quero que abandonem este texto, se é que aguentaram até ao fim, a necessitar de um antidepressivo, faço notar que My Sassy Girl termina com uma mensagem de esperança. 

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Obrigada pela tua participação, FilmPuff!

terça-feira, 1 de julho de 2014

O Filme da Minha Vida, por João Nuno Pinto

O Filme da Minha Vida
por João Nuno Pinto

Nunca gostei de listas. Sempre tive uma grande dificuldade em escolher o meu prato favorito, a minha cidade de eleição, as melhores férias, o filme da minha vida. Tirando as namoradas, por quem sempre me apaixonei louca e perdidamente elegendo-as imediatamente para numero 1 do mundo e universo (por mais efémera que fosse a eleição), todo o resto fazia parte de uma extensa lista de preferências e sempre achei que eleger um(a) em deterioramento de outro(a) seria uma falta de respeito por todas as outras coisas que de uma maneira ou de outra também eram, são e serão para sempre importantes na minha vida. Dito isto, a verdade é que aceitei o convite da Inês Moreira Santos e agora tenho mesmo que escolher um entre todos. Então que seja um que me surpreendeu e marcou profundamente num passado recente. Então que seja o Hunger, do Steve McQueen.

Estreado nos finais de 2008, Hunger é a primeira longa metragem do artista plástico Steve McQueen e retrata de uma forma brutal as últimas 6 semanas da greve de fome de Bobby Sands, desde a tomada de decisão até à sua morte. Estamos em 1981, na Irlanda do Norte, e o filme passa-se quase inteiramente dentro das paredes da prisão. Eu tinha terminado de filmar o América, também a minha primeira longa metragem, quando assisti ao filme e fiquei estarrecido com o murro no estômago que tinha acabado de levar. O filme era brilhante!, e eu senti-me o pior realizador do mundo pela comparação evidente... como era possível fazer um filme tão consistente e maduro logo na primeira obra? Ali não havia lugar para desculpas nem paternalismos geralmente associados às primeiras obras. Não, eu tinha acabado de assistir a um filme poderoso, maduro, brilhantemente filmado, que não teve medo de assumir riscos, quebrar convenções e criar momentos de verdadeira antologia cinematográfica. Ainda para mais dirigido por um fulano com o nome mais cool do mundo. Steve McQueen, não só não é irlandês, como eu pensava, como era um jovem britânico, negro, que fez todo o seu percurso como artista plástico. Como pode ele então dominar a técnica e a arte cinematográfica para ter feito um filme tão poderoso e verdadeiro sobre a questão irlandesa? Como pode alguém que à partida vem de um universo tão distante falar com tanta propriedade sobre um assunto tão delicado? Anos mais tarde tive a mesma experiência quando assisti a Lore (2012) de Cate Shortland, realizadora australiana que fez um maravilhoso filme sobre a questão da culpa e da mentira na ressaca da Segunda Guerra Mundial, através do ponto de vista de uma jovem adolescente nazi. Mais uma vez, alguém de fora a fazer um filme gigante sobre um tema difícil e sensível. O que une McQueen a Shortland é a extrema crueza e sensibilidade com que abordam estes temas, à partida tão incómodos. Sem cair em clichés, julgamentos ou moralismos eles olham o lado humano da questão, com todas as suas fragilidades, ambiguidades e beleza. A humanidade dos seus personagens contrasta com a monstruosidade do mundo que os rodeia. A beleza da sua cinematografia contrasta com a crueza do horror. E é isso que torna estes filmes tão desconcertantes.


Apesar de ser o seu primeiro filme, McQueen não teve receio em arriscar, em quebrar convenções e tudo aquilo que nos ensinam como o correcto na construção dramática. O personagem principal, brilhantemente interpretado por Michael Fassbender, só aparece depois do primeiro terço do filme – o que diriam a maior parte dos produtores que conheço se lhes apresentasse um guião assim?... Hunger é, na sua maioria, um filme de silêncios. No entanto tem um dos mais incríveis diálogos da história do cinema. Não só pelo diálogo em si e pela performance dos seus actores, como principalmente pela maneira como está filmado. Depois de mais de uma hora quase sem diálogos somos apanhados por uma torrente de diálogo entre Bobby Sands e um padre católico que o tenta demover da ideia da greve de fome. A cena é filmada em plano único, com a câmara fixa, durante cerca de 17 minutos. São 17 minutos de câmara fixa, olhando para dois actores sentados, imóveis, confrontando-se numa ininterrupta avalanche de palavras. E nós, enquanto espectadores, saímos sem nos apercebermos da sala de cinema e sentam-nos num teatro. O teatro da vida.

Hunger é um filme poderoso, visceral, bruto, trágico, feio e ao mesmo tempo lindo e brilhantemente fotografado, que acompanha de uma forma crua e íntima o lado humano de um conflito onde geralmente a tendência é abordar o lado político. E é exactamente aqui que reside a sua força. McQueen consegue mostrar beleza no meio do horror, onde as emoções e conflitos internos dos personagens sobrepõem-se à dimensão física das suas acções. É este olhar íntimo, intenso e cru, sem no entanto deixar de ter uma proposta artística vincada, que torna o filme tão poderoso e marcante. Não sei se é o filme da minha vida, mas é o filme que gostava de ter feito.

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João Nuno Pinto é realizador. Começou por realizar anúncios para televisão e videoclips, vencendo diversos prémios internacionais. Em 2008, a curta-metragem Skype Me marcou o seu início no cinema, e, em 2010, América foi a sua primeira longa-metragem, vencedora de diversos prémios em vários festivais nacionais e internacionais.

Agradeço ao João ter aceite o meu desafio!

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Já Vi(vi) este Filme, por João Pinto

Já Vi(vi) este Filme
por João Pinto, do Portal Cinema


Sempre gostei muito de cães e quando finalmente tive a oportunidade de ter um fiquei em êxtase. O meu companheiro de quatro patas, um yorkshire terrier de seu nome Ricky, fez-me companhia durante longos anos e agraciou a minha infância com grandes momentos de diversão. É claro que não era um cão fácil, já que era bastante temperamental e um verdadeiro poço de mimo e carinho, mas mesmo assim era um grande companheiro e quando partiu tive um dos grandes choques da minha vida. Eu revejo muita da minha experiência com o Ricky no filme Marley & Eu, desde os momentos mais felizes aos momentos mais tristes da interacção entre Humanos e Cão. É por isso um filme que me marcou muito e faz-me sempre recordar esses momentos que passei. E aproveito aqui para o recomendar a todas as pessoas que já tiveram ou têm cães, porque certamente irá tornar-se um daqueles filmes que ficará perto do vosso coração. 

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Obrigada pela tua participação, João!

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Já Vi(vi) este Filme, por Miguel Lourenço Pereira

Já Vi(vi) este Filme
por Miguel Lourenço Pereira, do Cinema e Em Jogo

O Cinema é a vida, uma forma perfeita de reflectir no espelho das vaidades o que nos faz sentir. O que nos faz viver. Todos vivemos um filme. Todos vivemos mil. Mesmo aqueles que nunca vimos. Histórias que se cruzam nos canais escondidos da nossa alma e que em celulóide ficam sempre melhor. Se há algo que faz do Cinema algo bigger than life é essa capacidade única de reproduzir episódios e sentimentos que são de muitos. E que são genuínos. A história pode ser filmada no deserto de Gobi com protagonistas estilizados à la Hollywood. Mas a alma é sempre a mesma. A Humanidade (ou a falta dela, tantas vezes) que nos toca a todos.


Poucas cinematografias mundiais entendem melhor esse existencialismo comunitário dentro do individuo como a argentina. Há uma centena de filmes que o representa com o coração, para lá dos postais sacados da Patagónia ou das casas coloridas de Buenos Aires. O cinema, feito em argentino, soa melhor, sabe melhor, vê-se melhor. Que se entranhe na nossa alma não estranha. Afinal, é parte de nós. Dentro de todos esses filmes – a lista não tem principio, nem sequer fim – há um em concreto que tem o poder de reunir tudo aquilo que para mim significa a infância, a adolescência, a idade adulta e a velhice. Na minha escada cronológica vou sensivelmente a meio caminho mas adivinho um fim que não seja muito distante do reproduzido até porque todos os caminhos vão dar a esse momento de definição interna. Luna de Avellaneda é uma obra-prima em tantos sentidos que reduzi-la a tal parece blasfémia. É um exercício dramático, cómico e musical – música que ecoa dentro do coração ao ritmo da batida do sangue na entrada da aorta – que nos desarma e despe. Nus, sem medo ao pudor, ficamos expostos a essa crueza humana que também é nossa. Ramon Maldonado (eu, tu, nós), é a encarnação moderna (com toda a complexidade inerente) do George Bailey capriano. Gere um clube de bairro que foi dos seus pais durante a sua infância e que poderá vir a ser dos seus filhos se encontrar caminho para esquivar a bancarrota impiedosa que se lhe aparece no horizonte. À sua volta, uma corte de homens e mulheres, tão frustrados e ambiciosos com a vida como ele, dá cor a essa busca pela felicidade mais humilde e genuína. Fraternidade, paternidade, carnalidade, tudo se cruza numa passadeira multicolorida onde o desporto, o valor das origens e o amor pela comunidade são mais protagonistas que as caras que lhes dão forma. Juan José Campanella – esse génio que fez de El Secreto de sus Ojos o filme perfeito da década passada – dirige com alma de artesão esse complexo conjunto de fios que se misturam na(s) história(s) de actores imensos como Eduardo Blanco, Valeria Bertucelli, Mercedes Morán, Lopez Vazquez e o inimitável Darin, esse Paul Newman pós-moderno e latino.

Luna de Avellaneda é mais do que um filme. Para mim é um reflexo perfeito da vida, da sua beleza e complexidade. Da sua alma genuína e do seu destino trágico. No fim tudo volta ao principio. No principio ninguém pode antecipar o fim. Sofre-se, ri-se, chora-se, grita-se e dança-se a cada pulsar nas entranhas. Se a vida fosse um filme, seria este. Como a vida, no fundo, são muitos recortes de película, a coisa complica-se. No meu corta-e-pega gigantesco, poucos frames são tão largos como o olhar perdido de Darin a contemplar-me sem o saber.

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Obrigada pela tua participação, Miguel!