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sexta-feira, 31 de julho de 2020

Crítica: A Flor da Felicidade / Little Joe (2019)

*7/10*



A Flor da Felicidade, de Jessica Hausner, conduz-nos a uma experiência essencialmente estética, onde o terror psicológico nos faz balançar entre a paranóia e os efeitos secundários de uma experiência científica. O egoísmo inerente à busca incessante pela felicidade pode fazer com que a Natureza, criada em laboratório, se queira vingar...

Nos tempos que correm, ver o filme de Jessica Hausner transporta-nos para um ambiente tão familiar que torna a experiência ainda mais assustadora. As personagens usam máscara e conversam sobre uma possível infecção viral. Querem ficção mais actual e assustadora?


Alice (Emily Beecham) é uma fitóloga experiente, que trabalha numa empresa especializada no desenvolvimento de novas espécies de plantas, onde criou uma flor muito particular, com um vermelho intenso, notável pela sua beleza e benefícios terapêuticos. Se for conservada à temperatura adequada, bem alimentada e se falarmos com ela regularmente, a planta deixa o seu dono feliz. Alice quebra o regulamento da empresa ao oferecer uma destas flores ao seu filho adolescente, Joe. Juntos, dão-lhe o nome Pequeno Joe (Little Joe). Mas, à medida que a planta cresce, Alice é inundada por dúvidas quanto à sua criação: talvez esta planta não seja tão inofensiva como o nome sugere.

A realizadora criou um filme repleto de influências, mas que assume uma personalidade muito própria, não apenas na abordagem temática, como em termos visuais e estéticos. O ambiente de A Flor da Felicidade é quase tão estéril como Little Joe, desde o visual milimetricamente filmado e iluminado - excelente trabalho do director de fotografia Martin Gschlacht, que valoriza as cores garridas no branco glaciar do laboratório ou a luz néon em casa de Alice, criando uma atmosfera quase extra-terrestre -, à frieza de sentimentos das personagens. 

O terror que paira em redor da vida de Alice, com desconfianças e inseguranças a minar e a fazê-la duvidar da sua competência enquanto cientista, vê-se adensado pela fabulosa e aterradora banda sonora do compositor japonês Teiji Ito. Eis mais um elemento certeiro e angustiante de A Flor da Felicidade, espalhando o pólen do suspense e da estranheza para lá do ecrã.


Para além de todas as questões éticas que uma experiência destas pode levantar, a dúvida que persiste está entre os poderes malignos de uma flor (eis um vilão criado pelo Homem ou é ele o próprio Homem?) e a preocupação maternal levada ao extremo de um esgotamento emocional. De destacar que as personagens que mais receiam os efeitos nefastos de Little Joe são mulheres, elas próprias as mais difíceis de convencer.

Apesar de, a certo momento, tudo se tornar algo previsível, Jessica Hausner revela maturidade e destreza ao levar para o grande ecrã um filme que eleva da sua personalidade enquanto cineasta. É capaz de provocar uma desconfortável estranheza na plateia, mas igualmente um encantamento, qual perfume da flor da felicidade, que não nos deixar tirar os olhos da acção.

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