A 10ª edição do IndieLisboa é marcada por muito cinema português no programa, sejam curtas ou longas-metragens. A Competição Nacional de Curtas conta com uma selecção de 16 títulos e o Hoje Vi(vi) um Filme dá a conhecer nove dos filmes portugueses a concurso.
O Coveiro - 9/10
André Gil Mata já é repetente no IndieLisboa e este ano trouxe uma óptima surpresa ao festival. O Coveiro, que também faz parte da secção Cinema Emergente, foi filmado - e também projectado em sala - em 35mm (uma raridade que merece louvores hoje em dia) e inspira-se no culto popular, mais propriamente no conto de cordel tradicional português. Uma criança nasce e a sua mãe morre de susto ao vê-la, destino que terá também, mais tarde, o seu pai, o coveiro da aldeia. Depois disso, a criança cresce, substituindo o seu pai nessa função. Mas a chegada de um homem sem cabeça irá mudar o destino do pobre coveiro órfão.
Uma voz imponente e obscura - a de Adolfo Luxúria Canibal - narra toda a história, sempre em verso. André Gil Mata, fiel a si mesmo, traz-nos um filme a preto e branco, repleto de cenários sombrios e arrepiantes, cheios de influências expressionistas. O Coveiro é, acima de tudo, uma bela e terrível história de amor. Uma surpreendente lufada de ar fresco na Competição Nacional deste ano.
Imaculado - 8/10
Gonçalo Waddington realiza, escreve e protagoniza Imaculado, regressando ao festival depois de Nenhum Nome, em 2010. A acção passa-se no interior do país rural, onde um homem tenta compreender um estranho fenómeno que está a acontecer no seu corpo. Vive na companhia da avó velha e de um pássaro na gaiola, e as incertezas não o deixam. Assistimos à sua rotina, entre o trabalho no campo e os momentos passados no seu quarto, que nos faz colocar algumas questões.
Waddington oferece-nos aqui uma boa surpresa com o seu Imaculado, que, no meio de cenários frios e de uma aparente solidão, nos faz descobrir possibilidades impossíveis, num conjunto de acontecimentos com interpretações em aberto, mas todas elas válidas. É sempre bom sinal quando um filme nos desafia.
Rhoma Acans 7/10
Estreante no IndieLisboa, a jovem realizadora Leonor Teles tem o seu Rhoma Acans em três secções do festival. Para além da Competição Nacional, o filme marca presença igualmente no Cinema Emergente e IndieJúnior. Para realizar esta curta documental, Leonor inspirou-se na sua própria história de família: é filha de pai cigano e mãe não cigana, e grande parte dos seus antepassados ciganos quebraram, de uma ou outra forma, a tradição da comunidade. A realizadora foi assim em busca de respostas para perguntas que também são suas, tentando perceber como teria sido a sua vida se o pai, inspirado pela sua própria mãe, não tivesse quebrado a tradição onde nasceu. É aqui que surge a jovem Joaquina, de 15 anos, ela sim inserida na comunidade cigana.
A curta-metragem começa com um tom demasiado pessoal, mas que depressa se percebe ter razão de ser. A realizadora narra a sua própria história familiar, ao mesmo tempo que algumas fotos de família desfilam no ecrã. Depois desta introdução é que Joaquina nos é apresentada, e com ela desconstrói-se um mundo quase desconhecido para quem está fora da comunidade cigana. O título inglês Gypsy Eyes adequa-se perfeitamente ao que assistimos, quer pelas raízes partilhadas por realizadora e protagonista, quer mesmo pelos planos, muito intimistas, das jovens ciganas que vemos no ecrã. A cor abunda, numa alegria que associamos a esta comunidade, reforçada pela música que acompanha a curta-metragem.
Rhoma Acans é um processo de auto-descoberta com um resultado muito interessante, onde duas jovens aparentemente tão diferentes descobrem que, afinal, até podem ter muito em comum.
Terra - 6/10
Pedro Lino é mais um repetente nesta edição do IndieLisboa. Consigo traz Terra, um documentário experimental sobre lutas de touros. Tudo começa a partir de uma citação de Miguel Torga. Depois disso, seguem-se planos do corpo do animal protagonista e ouvimos a sua respiração. Uma multidão espera-o lá fora.
Apesar da temática controversa, Pedro Lino trabalha-a de forma isenta e, ao mesmo tempo, confere às cenas de luta uma força perturbadora, proporcionada pela excelente conjugação de som e imagem. Um trabalho experimental muito interessante.
Plutão - 4.5/10
Jorge Jácome regressou ao IndieLisboa com Plutão. Um cientista explica que Plutão deixou de ser considerado um planeta. Os sentimento de desilusão e nostalgia, e a impossibilidade de não poder voltar a certos momentos da sua vida, levam-no a encontrar na história de David uma resposta para o que quer que exista para lá da ciência e da razão.
Plutão parece querer fazer uma analogia entre a desclassificação de Plutão como planeta e o fim de um amor de Verão, intercalando a história de David e Joana com as explicações do cientista. A ideia poderia despertar alguma curiosidade, mas a concretização não é a melhor, com o filme a perder ritmo e a não chegar a uma razão de ser. O elenco de actores é um ponto forte do filme, com os protagonistas - David Cabecinha e Joana de Verona - a partilharem o nome com os seus personagens.
A Herdade dos Defuntos - 4/10
Patrick Mendes é quase presença assídua no IndieLisboa. Este ano é A Herdade dos Defuntos que nos chega pela sua mão. O cenário dos acontecimentos é um ferro-velho, onde uma mulher obesa vestida de mecânica está a assar um leitão. É quando um homem surge e desfalece sob um sol abrasador que descobrimos mais acerca desta mulher.
O universo "sujo" e macabro de Patrick Mendes regressa nesta curta-metragem que, apesar de tudo, nos faz esperar mais do que nos dá.
Fragmentos de uma Observação Participativa 3.5/10
Também já não é a primeira vez de Filipa Reis e João Miller Guerra no IndieLisboa. Este ano trouxeram consigo um trabalho documental que acompanha três mulheres brasileiras que residem em Portugal. Fragmentos de uma Observação Participativa (também presente na secção Cinema Emergente) coloca-nos junto de Monique, Paulinha e Verônica, testemunhando o seu quotidiano e as suas conversas, numa curta-metragem cheia de cor.
No entanto, Fragmentos de uma Observação Participativa não passa disso mesmo: fragmentos, algo de incompleto que não oferece nada de novo à plateia - mesmo tendo sido explicado que o filme faz parte de um trabalho maior, só podemos julgar aquilo que vemos: uma curta-metragem. Assistimos a conversas banais, apesar de divertidas, mas que pouco contribuem para a força do todo. Ao mesmo tempo, alguns pontos fracos técnicos vão sendo detectados, fazendo cair por terra até mesmo a naturalidade das conversas a que assistimos no ecrã.
Entre Paredes - 2.5/10
Gonçalo Robalo e Tânia S. Ferreira disseram ao início da sessão que tudo nesta curta-metragem foi feito apenas pelos dois - excluímos aqui o trabalho dos actores - e tal é de valorizar. Entre Paredes pretende retratar a rotina de um casal na sua casa. São 24 horas entre quatro paredes que os realizadores quiseram filmar. Sem falas, esta curta tem como protagonistas um homem, uma mulher e uma casa.
Apesar do bom trabalho de iluminação, Entre Paredes transmite um vazio argumentativo indesculpável para um filme em competição. Uma monotonia instala-se do início ao fim e a mensagem não passa.
Quatro Horas Descalço - 1.5/10
Presente na Competição Nacional e Internacional, Quatro Horas Descalço, de Ico Costa, é uma ficção sobre um filho que mata o pai com as próprias mãos e caminha durante quatro horas até à esquadra, de pés descalços, para se entregar, numa aldeia montanhosa do interior de Portugal.
Uma respiração ofegante - que se torna exagerada - acompanha-nos ao longo da curta-metragem, que não nos oferece mais do que o desespero de um jovem desde o momento em que comete o crime até chegar à esquadra. Não nos são dadas razões, apenas um percurso, longo e tumultuoso, por entre o terreno montanhoso, que o assassino percorre descalço (quem sabe como penitência?). Certo é que o abuso dos planos muito longos não abona em nada a favor da curta-metragem, já de si muito fraca, com um ritmo e emoções sem qualquer evolução.
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Da Competição Nacional de Curtas fazem ainda parte A Dupla Coincidência dos Desejos, Dive: Approach an Exit, Forbidden Room, Gingers, Má Raça, O Facínora e Sizígia, filmes a que não tive oportunidade de assistir.
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