terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Crítica: O Clube de Dallas / Dallas Buyers Club (2013)

 "I swear it, Ray, God sure was dressin' the wrong doll when he blessed you with a set of balls."
Ron Woodroof
*6.5/10*

Matthew McConaughey e Jared Leto comandam O Clube de Dallas, com interpretações que fazem valer toda a longa-metragem de Jean-Marc Vallée. Nem as falhas no argumento ofuscam o brilho dos dois actores naqueles que serão, certamente, papéis de uma vida para cada um.

McConaughey é Ron Woodroof, um cowboy do Texas cuja vida sofre uma reviravolta quando, em 1985, lhe é diagnosticado o vírus da SIDA e apenas um mês de vida. Vivem-se os primeiros momentos desta epidemia e os EUA estão divididos sobre como a combater. Ostracizado por muitos dos seus antigos amigos e sem acesso a medicamentos eficazes comparticipados pelo governo, Ron decide tomar conta do assunto e procurar tratamentos alternativos em qualquer parte do mundo por meios legais ou ilegais. Ignorando as regras estabelecidas, Woodroof une forças com um grupo de renegados e marginalizados - que ele próprio teria evitado no passado - e estabelece um “clube de compradores” de enorme sucesso.


O argumento tem por base factos verídicos e uma história com tudo para arrasar no grande ecrã. A concretização, todavia, não é a mais feliz, com um ritmo cansativo e momentos desinteressantes. Entre a homofobia, o travestismo, o desconhecimento da SIDA em meados dos anos 80, até aos interesses económicos que desprivilegiam os doentes, a narrativa passa por todos estes temas, mas sem abordar especialmente nenhum deles. Sente-se a falta de uma crítica mais feroz, de um ritmo mais empolgante.

Apesar disso, as personagens de e McConaughey e Leto são bem construídas e comportam em si o grande valor de O Clube de Dallas. Duas interpretações fabulosas e extremamente físicas (McConaughey emagreceu 20kg e Jared Leto cerca de 14kg) deixam-nos mais próximos da sua causa, dor e doença. O protagonista surge quase irreconhecível, muito magro, sem o charme que marcou parte da sua carreira, na pele de Ron Woodroof e incorpora, de corpo e alma, o choque de um homem bruto, homofóbico e de maus modos, ao descobrir que é seropositivo. Da surpresa e incredulidade, à vontade de lutar e de contrariar o diagnóstico de uma morte demasiado precoce, McConaughey conduz brilhantemente o percurso do electricista - agora solitário, que encontra o mais próximo de um amigo no transexual interpretado por Leto - que desafia a lei, em nome da sobrevivência de muitos. Ao mesmo tempo, é o protagonista quem sofre mais mudanças, quer em termos de relações de amizade, formas de ver o mundo e de encarar o futuro.


Responsável por muitas dessas mudanças é a personagem de Jared Leto que vem provar novamente como é feito para o cinema. Sem preconceitos, o actor entregou-se a uma personagem polémica, um transexual com SIDA e toxicodependente. Ele é Rayon, o maior aliado de Ron na luta pela vida. Leto oferece-nos uma interpretação delicada, mas fenomenal, numa batalha contra a sociedade, a doença, o vicio e a rejeição da família.

Jennifer Garner vem manchar o talento do elenco ao interpretar Eve, a médica que acompanha os casos de Rayon (de quem é amiga de escola) e de Ron, mas se vê dividida entre a ética médica e os interesses das farmacêuticas. A actriz revela-se um erro de casting, sem pulso, sem emoção, sem nada que faça com que a sintamos como necessária. Hilary Swank seria, certamente, uma escolha mais acertada para o papel.

O pouco fôlego que Jean-Marc Vallée e os argumentistas Craig Borten e Melisa Wallack injectaram em O Clube de Dallas é contrabalançado pela presença de McConaughey Leto, que seguram com alma as suas personagens e apaixonam a plateia. A história de luta pela vida, contra a lei e corrupção, não encanta como devia, mas, felizmente, deixou os dois actores conquistar o mundo e os prémios (os Oscars são a próxima paragem).

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