O(s) Filme(s) da Minha Vida
por Bruno Ferreira
Não é a primeira vez que me vejo perante tamanha injustiça de escolher apenas um - e ainda para mais com um epíteto tão ressonante - Filme da Minha Vida! Os filmes, tal como os livros, ou os discos, apanham-nos incautos ao virar de uma esquina da vida e caçam-nos com os nossos humores, os nossos dias mais ensolarados ou fases aziagas. E é nessa base que deixam a sua marca nas nossas vidas. Uns, poucos, conseguem deixá-la vincada no nosso espírito, como a marca de um ferro em brasa cravada na carne de um touro. Ficará lá para sempre. Dos outros todos não nos voltaremos a lembrar.
O que acontece é que à medida que avançamos no tempo somos susceptíveis de sermos marcados mais vezes. Como aquela velha tartaruga que com a idade colecciona muitas marcas na sua carapaça, resultado de outras tantas aventuras. É essa a razão pela qual não consigo ser fiel apenas a um filme. Por isso deixem-me por de lado a monogamia cinéfila e assumir os meus pecados carnais com as fitas de oito milímetros.
Aliás, deixem-me ir ainda mais longe. Para escolher o filme da minha vida proponho realizar a famosa prática francesa Ménage à trois, utilizada para designar envolvimentos a três. Só que neste caso vou envolver-me com os três filmes da minha vida. É o que se chama de uma orgia cinéfila. Que venham os lençóis de cetim.
Casablanca. Um épico de 1942, de Michael Curtis. Um marcante Humphrey Bogart é Rick Blaine e dirige a principal casa nocturna da cidade marroquina. No Café do Rick cruzam-se espiões, bandidos, nazis e aliados. Sempre sob o olhar agridoce de Rick, o desconfiado americano, muitos refugiados europeus tentam sair rumo a Lisboa, uma capital neutral no íntimo da segunda grande guerra. Um desses homens é Victor Laszlo, o líder da Resistência Checa. O problema é que Laszlo é casado com Ilsa Lund (Ingrid Bergman), antigo amor de Blaine. Caberá a Rick, o implacável charmoso, rude calculista, definir o destino de ambos. Tensão e muita intenção nas brilhantes interpretações de Ingrid e Bogart, diálogos fortes num clima perigosamente romântico são os maiores atributos desta ode ao cinema.
Blow Up. 1966. De Michelangelo Antonioni, a história relata a vida de Thomas, um fotógrafo de moda interpretado por um sedutor David Hemmings, numa Londres em plena revolução sexual, numa frenética agitação de festas, amor livre, rock’n’ Roll (saborosa banda sonora de Herbie Hancocke) e muitos excessos. Por tudo isso o filme desnorteou a conservadora Hollywood. O enredo prende-se com uma fotografia acidental que revela um assassinato perpetrado por uma manipuladora e sensual Vanessa Redgrave, na pele de Jane. Com uma fotografia quente e sofisticada, às vezes angustiante, outras excitante e erótico, o filme conta com uma cena considerada como o momento mais sexy da história do cinema. Daí se esculpiu o cartaz do filme.
Cinema Paraíso. Estávamos em 1988 quando Giuseppe Tornatore trouxe para o grande ecrã a narrativa da paixão pelo cinema acima de todas as outras artes. Esta é a história de um projeccionista de uma pequena vila Siciliana do pós-guerra, o generoso Alfredo (Philippe Noiret) que nos revela o íntimo da sala de cinema, e do acanhado espaço de projecção. É desses momentos que se recorda Salvatore, quando era o pequeno ajudante de Alfredo, tendo a sala escura como central elemento comunitário da época, onde se começavam namoros, se faziam negócios e teciam conspirações, e onde muitas vezes o escuro abafava solapadas cenas de sexo. Mas Salvatore já não é essa criança. Vive em Roma, onde se tornou um realizador de sucesso. É lá que recebe a notícia da morte do seu amigo Alfredo, regressando a Giancaldo para um final poético. Esta é uma película melancólica e apaixonante que, embalada pela banda sonora de Ennio Morricone, se torna incapaz de sustar a lágrima mais inflexível.
Nisto batem-nos à porta. Era o Feios, Porcos e Maus, de Ettore Scola. Vinham nus e crus, despenteados e barulhentos. Infelizmente já não havia lugar para mais fitas por entre os lençóis. Fica para a próxima.
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Bruno Ferreira é um humorista e caricaturista da voz. Empresta a voz e a imagem a diversos personagens em televisão, rádio e eventos. É locutor de publicidade e dobrador de animações. 123 (RTP1), Edição Extra (SIC Radical), Memória de Elefante (RR), Contra-Informação (RTP1), O Formigueiro (SIC), Contrapoder (SIC Notícias) ou 5 Para a Meia-Noite (RTP1) são alguns exemplos do que tem feito. Os seus trabalhos como comediante, actor e locutor podem ser vistos em brunoferreiraonline.com.
Agradeço ao Bruno ter aceite o meu desafio.
Agradeço ao Bruno ter aceite o meu desafio.
3 comentários:
Exatamente os mesmos filmes que o Bruno mencionou quando foi ao Lance no Escuro! :)
Entre esses está o filme da minha vida. Não digo qual é, só que tem uma imagem no cabeçalho do blogue. :)
Então já adivinhei! :)
Obrigada aos dois pelos comentários. :)
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