sábado, 29 de março de 2014

Já Vi(vi) este Filme, por André Olim

Já Vi(vi) este Filme
por André Olim, do Terceiro Take

Os filmes que vi(vemos)

Nenhum filme pode deixar uma verdadeira impressão no seu espectador se, na sua essência, não carregar algum grau de semelhança com a realidade ou com a fantasia que o espectador vive e sonha. Um filme é, portanto, tão forte quanto a sua capacidade para extravasar a tela, para mergulhar o espectador na sua narrativa e, através da persuasão da moral e da imagem, idealmente aliadas e alinhadas, transportá-lo para o seu ponto de origem, onde o possível e o impossível se coadunam e a verosimilhança com a realidade não é mera fantasia, é facto desejável. Seja a história dramática fundamentada num acontecimento autêntico, seja a aventura proveniente de uma imaginativa mente, o artifício maior para o sucesso cinematográfico reside em dar ao espectador a experiência mais marcadamente autêntica. Tanto é que o filme globalmente triunfante é aquele que, ainda que partindo de factos alheios, épocas distintas e mundos fingidos, consegue colocar no espectador a excepcional e arrojada ideia de que ele se identifica e se compara com a narrativa, com alguns dos seus factos ou com a totalidade do seu enredo.


Tal como o poeta é um fingidor, o cineasta é um mentiroso. Mentiroso por nos querer fazer acreditar que se rodeia da verdade e dos valores absolutos. Mas não seja imputada qualquer culpa àquele que se manifesta através da sétima arte, porquanto é o espectador, assumida e livremente, que procura ser enganado – muito bem enganado – diante de um grande ecrã. Naqueles momentos em que se senta confortavelmente numa sala de cinema, o espectador anseia desligar-se da sua própria realidade e experienciar a existência, boa ou má, de outrem. Nas entrelinhas de um filme, com maior ou menor iniciativa individual, o espectador escolhe heróis e vilões, identifica valores e ambiguidades, estabelece amizades e inimizades. No final, no seu regresso súbito e quiçá indesejado à sua realidade, e ainda meio embrenhado na criação cinematográfica que presenciou, estabelece elos e conivências entre o vivido e o assistido; nesse fugaz instante, o espectador imagina-se e idealiza-se na tela.


A título pessoal, são inúmeros os filmes que me arrebataram, induzido-me, com maior ou menor esforço, a concepção de que a sua narrativa me é próxima, comparável às minhas experiências e às minhas vivências, aos meus desejos e aos meus sonhos. Atrevo-me, pois, a confessar que já vivi muitos filmes; melhor dizendo, já vivi todos os filmes que me causaram a mais pequena comoção. Da terrível visão da humanidade de A Lista de Schindler à esperança de Forrest Gump e à fantasia de O Senhor dos Anéis, o leque de sensações que a sétima arte me tem proporcionado tem sido nada menos que verdadeiramente poderoso. Dizia alguém em A Invenção de Hugo que os filmes têm o poder para capturar sonhos. Vou mais longe: os filmes têm o poder para nos presentear uma vida inteiramente diferente; mesmo que efemeramente, essa vida não se esgota na projecção – dias, meses, anos depois, numa visualização repetida ou no déjà vu quotidiano, volta a arrebatar-nos. Nesse instante, de modo cônscio ou não, sabemos que já se viveu, que se vive e que voltará a viver aquele filme, aquela emoção.


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Obrigada pela tua participação, André!

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