segunda-feira, 19 de maio de 2014

Já Vi(vi) este Filme, por Jorge Teixeira

Já Vi(vi) este Filme
por Jorge Teixeira do Caminho Largo


No campo da fantasia e do escape temporal ou espacial não haverá muitos exemplos com a originalidade, a sensibilidade e a pujança de El Laberinto del Fauno. O filme de Guillermo Del Toro será mesma peça rara e uma investida improvável, séria e coesa, nos tempos recentes, no que a história de encantar, deslumbrar e efabular diz respeito. A mistura constante entre realidade e ficção ou entre a dureza e a conformidade do dia-a-dia e a imaginação ocasional desejada, à frente e atrás das câmaras, confere, recorrentemente, um sentido assaz credível e equilibrado, quase justo e justificativo, o que torna prontamente aceitável qualquer identificação plausível para com o enredo e as sensações nostálgicas envolvidas.

Com o início e um cenário de absolutismo, somos, desde logo, transportados para uma família, para uma criança e para um conflito que, à partida, se avizinha periclitante, problemático e deveras complexo (um pouco como qualquer vida ou rotina - aqui extrapolada - sempre passível de potencialmente se transformar). Conflito este, interno e de possante cariz físico ou concreto, se atendermos ao drama implícito e palpável, porque na verdade, e por contraste, o irreal, o inexplicável e a evasão se situa depois na mente e no subconsciente da inocente protagonista, e de todo o centro ingénuo do filme. Somos, pois e por sua vez, como que tele-transportados para outro mundo ou para outra dimensão utópica, sensacional e visionária, de tão metafórica e certeira que se afigura ou se desenha espontaneamente face às personagens e ao espectador. Em suma, a todos nós, na medida em que seguimos com total deleite, e simultâneo receio, as peripécias vividas pela imaginação de Ofelia (quiçá pela sua ascensão efectiva a outro estado disponível e desconhecido), e o seu desejo de fuga ao quotidiano cruel, num ameaçador contexto de guerra e de regime fascista, entre constantes temores, segredos e terríveis torturas.

Não será, portanto, de estranhar que nutre bastante identificação por este filme, e por este tipo de abordagem, uma vez que a aventura, a absorção e a fantasia foram continuamente, da minha parte, objecto de fascínio, de dedicação e de preenchimento dos tempos livres, sobretudo, na infância e numa fase de sistemática vontade de abstracção, de sonhos e de destinos impossíveis, mas não menos satisfatórios. Uma relação que não se esgota, apenas e só, na narrativa paralela e sedutora habitada pelo estranho Fauno, e interpretada por nós, mas que existe também na atmosfera cromática e na ambiência musical encantadora, que, no conjunto e esteticamente, conferem uma experiência intima e fortemente nostálgica e que, no fim, reconhecemos como preciosa, útil e por demais saborosa. Definitivamente, e ainda que no campo do devaneio e da ilusão partilhadas, um filme que vi e já vivi, inclusive diversas vezes e intensamente, dentro e fora do ecrã, até porque ficção ou sonho é também concepção e criatividade ou, se quisermos, sinónimo de divertimento, alegria e consciência.

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Obrigada pela tua participação, Jorge!