segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Crítica: Mudbound - As Lamas do Mississipi (2017)

"Violence is part and parcel of country life." 
Laura McAllan 

*8.5/10*

A decadência moral da História e da mentalidade do povo norte-americano é tão bem descrita em Mudbound - As Lamas do Mississipi, como injusto tem sido o seu quase completo esquecimento na temporada de prémios.

A realizadora Dee Rees é corajosa e não tem medo de atacar a América o seu passado e presente. Pouco ou nada mudou, os tempos actuais têm-no provado. É imoral, injusto e revoltante tudo o que vemos em Mudbound e temos visto em outros filmes, lido em livros de História ou visto em notícias... O que desde o início dos EUA enquanto país já não fazia sentido, continuou, décadas a fio, a revelar uma ignorância inacreditável. 


Ainda durante a Segunda Guerra Mundial, duas famílias vêem dois dos seus membros recrutados como soldados. Quando regressam a casa, os dois homem conhecem-se e estabelecem uma amizade que vai contra os preconceitos do local onde vivem. Tudo porque um é negro e outro branco e aquela terra ainda é regida pelas Leis de Jim Crow, que estabeleciam limites entre brancos e negros. 

Para começar, é uma história que aborda o racismo nos EUA, mas também a guerra e os seus traumas. Jamie e Ronsel são dois excelentes exemplos de veteranos de guerra que não estão felizes por regressar. Por outro lado, os cenários estão a condizer com o estado de espírito de quem ali vive e se sente a afundar na lama, de castanho até perder de vista. Tão semelhante à mentalidade racista de muitos, à falta de esperança de outros, à submissão, ao machismo, à intolerância. Depois da guerra, Jamie e Ronsel não pertencem ali, respiram progresso e liberdade - a mesma pela qual lutaram em terra e no ar.


O filme, contado a várias vozes, transborda emoções e não apenas nas palavras. Tudo é intenso ali, onde tudo falta, onde as pessoas andam sujas e cansadas de esperar que a chuva passe, que as feridas sarem, que a sementeira dê fruto.

A realização de Dee Rees é ritmada e potenciada pelo excelente trabalho de direcção de fotografia de Rachel Morrison que nos proporciona planos marcantes. A cena inicial conduz-nos a uma analepse, que relata a história daquelas personagens até ali se cruzarem. Depois disso, tudo se cria em crescendo, com dramas, preocupações, conflitos e muita garra. A violência está latente e há-de estalar, sem receios, como um culminar da repressão.


Os desempenhos são outra das forças da Natureza de Mudbound - As Lamas do MississipiMary J. Blige é brilhante como Florence, a mãe trabalhadora e angustiada. Ela sofre e engole a sua revolta e mágoa ao lado do marido Hap, Rob Morgan, num papel muito sentido de um pai de família magoado pelo preconceito. Carey Mulligan é Laura, a outra grande mulher do filme. Infeliz, resignada, com um sofrimento que vem das entranhas, numa excelente interpretação. Garrett Hedlund é Jamie e espelha bem o alcoólico marcado pela guerra, desafiador e leal. Ao seu lado, o companheiro Jason Mitchell, ou Ronsel, um homem cheio de revolta mas com sonhos longe daquela terra, comporta um grande sofrimento, mas igualmente muito amor aos seus.


Curiosamente, será que os norte-americanos querem fechar os olhos a um filme tão corajoso e tão alarmante como Mudbound? Não querem aceitar mais este alerta, mais ainda numa altura em que Hollywood se mostra tão hipocritamente preocupada com abusos e minorias? É inexplicável o motivo pelo qual um filme tão poderoso está a ser tão ofuscado por outros nesta award season. Realização, fotografia, argumento e elenco, todos mereciam mais distinção.

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