"Olho grande. Boca grande. Mão grande. É um menino forte, Ana"
Doutor
*7/10*
Que bela premissa nos trazem os realizadores Juliana Rojas e Marco Dutra com As Boas Maneiras. Um filme de terror que, ao mesmo tempo, é capaz de fazer uma crítica social e onde o humor negro é um dos trunfos.
Clara (Isabél Zuaa), uma enfermeira solitária da periferia de São Paulo, é contratada pela rica e misteriosa Ana (Marjorie Estiano) como ama do seu futuro filho. Contra todas as expectativas, as duas mulheres desenvolvem uma forte ligação. Mas uma noite de lua cheia vai alterar para sempre as suas vidas.
O filme pode dividir-se em duas partes, onde a primeira - a da gravidez - tem imenso potencial, com toques de A Semente do Diabo, de Roman Polanski. Por isto mesmo, As Boas Maneiras é muito mais do que uma história de lobisomens. Aborda também o amor entre duas mulheres, a gravidez (e os seus medos), o amor maternal. A própria ideia de emancipação feminina é aqui explorada, com protagonistas femininas de relevo, mas também o crescimento, quando a criança começa a descobrir o mundo e a reclamar independência. E não falta muita fantasia.
A longa-metragem de Rojas e Dutra tem duas mulheres fortes a liderar, pena Marjorie Estiano não ter mais tempo de antena. Mas a portuguesa Isabél Zuaa segura a acção do início ao fim, e preenche o ecrã pelas duas, numa excelente interpretação. A actriz tem uma força que a transforma numa fiel companheira e mãe protectora, contra tudo e todos.
A música revela-se muito presente, desde os momentos mais divertidos aos mais tensos ou emotivos, e mistura-se com esta história de "assustar", tornando-a mais meiga, mais dócil, tal qual a função da caixa de música - elemento muito simbólico na narrativa - de Ana.
A direcção de fotografia é do português Rui Poças e brilha nas noites de lua cheia ou nos dias agitados de São Paulo. O trabalho de caracterização e efeitos especiais não deixa a desejar, sendo mesmo impressionante, em especial na primeira aparição do ser sobrenatural.
As Boas Maneiras é desafiador e revela-se uma boa surpresa no género, que só peca por não apostar mais na narrativa em redor da gravidez "assombrada", com ataques de sonambulismo e desejos pouco comuns. O suspense perde-se cedo demais, e a acção estende-se mais do que deveria, com momentos melhores que outros, mas, em especial, deixando saudades da grande barriga de Ana.
As Boas Maneiras estreou na secção Boca do Inferno do IndieLisboa'18, no Cine-Teatro Capitólio, em noite de Lua cheia e está agora nos cinemas portugueses.
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