quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Crítica: Shoplifters: Uma Família de Pequenos Ladrões (2018)

"If someone hits you and tells you they are doing it because they love you, they are a liar."
Nobuyo Shibata


*8.5/10*

Hirokazu Koreeda tem-se dedicado à temática da família na sua filmografia. Em Shoplifters: Uma Família de Pequenos Ladrões, volta à carga com todo o amor e crítica social, numa construção inesperada e, talvez por isso mesmo, tão sensível.

A longa-metragem começa por acompanhar o quotidiano de uma família de poucos recursos em Tóquio, todavia, há dúvidas que começam a surgir na mente no espectador. De repente, o ritmo de Shoplifters muda totalmente e segredos vão sendo revelados.

Depois de uma das suas sessões de furtos em lojas, Osamu e o filho deparam-se com uma menina cheia de frio. Inicialmente relutante, a mulher de Osamu acaba por aceder a dar-lhe abrigo após saber das dificuldades e infortúnios por que ela passou. Embora seja pobre e viva no limite da subsistência com recurso a pequenos crimes, a família parece feliz, até ao dia em que um acontecimento inesperado revela segredos e testa os laços que os unem.


A funcionalidade desta família tão incomum é de espantar. Há amor, ternura, por muito que também haja inveja e interesses. A realidade é que este grupo de pessoas é unido e protege-se mutuamente, muito para lá dos supostos laços de sangue. E é entre os pequenos furtos que vão fazendo para abastecer a mercearia lá de casa que vamos descobrindo muitos dos problemas escondidos da sociedade japonesa - que são comuns a outras partes do mundo -, alguns deles bastante sinistros.

Entre os mais belos momentos do filme, destaco o fogo de artifício, que toda a família ouve, vem à porta de casa e olha para o céu, em busca das formas coloridas e alegres; outra cena marcante é protagonizada pela pequena Yuri Nobuyo, que se abraçam, qual mãe e filha, enquanto queimam roupa numa lata. Momentos tão simples como delicados, onde de pequenos gestos se podem extrair tantas emoções. Shoplifters pode ser tão delicado como pode ferir.


Nas interpretações, o destaque mais inevitável vai para Sakura Andô, na pele de Nobuyo. A actriz tem um desempenho poderoso, com força e emotividade, que vai da frieza à dor imensa, do amor à culpa. As crianças de Shoplifters são, por sua vez, a pureza e a verdade, no meio de adultos cheios de mistérios.

A sensibilidade da lente de Hirokazu Koreeda é eficaz ao ligar-nos às personagens - nenhum é bom ou mau, coabitando numa dualidade que os torna verdadeiramente reais -, e produz o choque natural que surge aquando das revelações. E eis que questionamos a justiça e a moral, seremos juízes sem poder de decisão, encontraremos os nossos culpados que, se calhar, não serão os ladrões. Shoplifters: Uma Família de Pequenos Ladrões revela-se uma obra como já poucas se fazem, tão doce como cruel. É para sentir texturas, planos, gestos, dilemas e emoções.

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