quarta-feira, 13 de maio de 2020

Crítica: Eu, Daniel Blake / I, Daniel Blake (2016)

*8.5/10*


O desalento espelhado em Eu, Daniel Blake é a melhor forma de criticar e escrutinar a burocracia e total ausência de humanidade do serviço de emprego e segurança social britânica. Ken Loach criou um filme tão cruel como próximo, tão real, qual grito de revolta.

Daniel Blake (Dave Johns) tem 59 anos, é viúvo e trabalhou como marceneiro durante a maior parte da sua vida, em Newcastle. Agora, e pela primeira vez, precisa de ajuda do Estado. O seu caminho cruza-se com o de Katie (Hayley Squires), mãe solteira, e as suas duas crianças, Daisy e Dylan. Para escapar à vida numa residência para sem-abrigo em Londes, a única hipótese de Katie foi a de aceitar um apartamento numa cidade que ela desconhece, a 300 milhas de distância. Daniel e Katie encontram-se na terra de ninguém, apanhados pela burocracia da Segurança Social...


O argumento de Paul Laverty é duro e tem por base casos verídicos relatados por antigos funcionários dos serviços sociais britânicos, o que torna tudo ainda mais aterrador. Eis a razão para que a falta de humanidade do Estado Social seja tão palpável e injusta nesta longa-metragem. O realismo é tal que faz-nos, por vezes, pensar que estamos a ver um documentário, com as personagens a serem tratadas com tanta antipatia, como se fossem apenas números numa tabela de excel (e não seria mesmo assim que os encaravam?).

Mas em Eu, Daniel Blake ninguém desiste, mesmo que a situação se torne decadente ou insustentável. Entre a comunidade há altruísmo e compaixão (e a cena do banco alimentar será um dos melhores exemplos). E é isso o melhor que retiramos do filme de Ken Loach. Que no meio da desgraça, da fome e desemprego, há ligações que se criam e se revelam eternas.


A amizade quase familiar que o protagonista cria com Katie e os pequenos Dylan e Daisy é especialmente bonita de assistir. Ele ajuda Dylan a controlar os seus problemas, preocupa-se com Katie como se de uma filha se tratasse, e Daisy dá-lhe alento e incentiva-o a não desistir de viver. Curiosamente, a vida deles cruzou-se nos serviços da segurança social, mas foram eles que se apoiaram mutuamente.

Ao mesmo tempo, a relação de Daniel com o vizinho do lado - mais um sobrevivente num sistema injusto e desigual, com um potencial bom negócio em mãos - é outro elemento de valorizar. Eles preocupam-se um com o outro de forma sincera.


E entre o dia-a-dia desanimador de quem não vê esperança num Estado dito Social, Eu, Daniel Blake não é só tristeza. Ken Loach consegue surpreender-nos e também nós vamos aplaudir Blake até ao fim.

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