segunda-feira, 18 de maio de 2020

Crítica: Liberdade / Give Me Liberty (2019)

*7/10*


Kirill Mikhanovsky traz-nos Liberdade, uma tragicomédia alucinante, um road movie pelas ruas de Milwaukee, com os protagonistas mais inesperados, todos eles na luta pelos seus direitos e inclusão.

O filme baseia-se em experiências do realizador num dos primeiros empregos nos EUA, onde conduziu uma carrinha de transporte de doentes com incapacidade, tal como o protagonista de Liberdade.

Vic (Chris Galust) é um jovem desafortunado russo-americano, que conduz uma carrinha de transporte de pessoas incapacitadas, em Milwaukee. Já atrasado, num dia em que começam protestos contra a violência policial nas ruas, concorda, relutantemente, em levar o avô e vários idosos russos a um funeral. À beira de ser despedido, pára ainda num bairro predominantemente afro-americano para ir buscar Tracy (Lauren 'Lolo' Spencer), uma jovem com esclerose lateral amiotrófica, e o dia vai de mal a pior.


Aquela carrinha junta culturas, idades, personalidades e condições tão distintas, qual Torre de Babel dos novos tempos. Sejam imigrantes, doentes, incapacitados, afro-americanos, todos os passageiros (e condutor) daquele veículo se sentem como estranhos naquele país de supostas oportunidades. Naquela carrinha, vemos como o sonho americano é só para alguns e que aqueles que não fazem parte desse pequeno grupo lutam, com todas as forças, pelo seu direito de serem e sentirem-se livres e realizados.

Liberdade é uma obra humanista e multicultural que, por vezes, foge para o documental, em especial nos momentos filmados no Centro Eisenhower e com os seus utentes. Mikhanovsky trabalhou com actores e não actores, e apela à dignidade de todos.

A primeira metade do filme é bastante entusiasmante, numa luta contra o tempo, a alta velocidade, tentando apressar a chegada de cada passageiro ao seu destino, com todos os percalços que acontecem pelo caminho. Os momentos mais hilariantes e quase inacreditáveis aumentam a adrenalina que se sente em ambos os lados do ecrã. Torcemos para que todos cheguem a horas, mas sabemos que aqueles "dez minutos" que Vic diz demorar são mais de duas horas e poderão não ser suficientes para manter o emprego.


Depois desta maratona estrada fora, o ritmo de Liberdade muda bruscamente, e poderíamos pensar que já não estávamos a ver o mesmo filme, já que o tom transforma-se totalmente. Há alguma acalmia na acção, os mesmos temas continuam na ordem do dia, mas a longa-metragem torna-se mais angustiante e talvez menos surpreendente.

E apesar desta inconsistência, Liberdade prima ainda pelas opções do realizador, que filma algumas cenas em película de 16 mm, e onde a música em formato analógico tem também destaque na caracterização de Vic, que adora discos de vinil. Mikhanovsky convida-nos a apanhar boleia na carrinha do protagonista e descobrir todas as realidades que cabem e convivem lá dentro.

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