segunda-feira, 13 de julho de 2020

Crítica: O Paraíso, Provavelmente / It Must Be Heaven (2019)

"Sou palestiniano."
Elia Suleiman


*8.5/10*

Partimos à boleia de Elia Suleiman, que realiza escreve e protagoniza O Paraíso, Provavelmente, e vamos à Palestina, passando por Paris e Nova Iorque. Uma sátira espirituosa, bem ao estilo do cineasta palestiniano.

Eis uma lufada de ar fresco numa época de tormentos: O Paraíso, Provavelmente mostra-nos como há coisas que não mudam, para onde quer que se vá, e faz-nos rir de hábitos, costumes, turismo desenfreado ou estereótipos.

No filme, Elia Suleiman deixa a Palestina à procura de uma nova pátria. Mas a busca por uma nova vida torna-se numa comédia de enganos: quanto mais se afasta da Palestina, de Paris a Nova Iorque, mais os novos lugares lhe fazem lembrar o seu país natal. Um conto que explora a identidade, a nacionalidade e a pertença, no qual Suleiman coloca uma questão fundamental: onde nos podemos sentir "em casa"?


Sempre com o surrealismo a pairar, Elia Suleiman, qual Buster Keaton do seu tempo, guia-nos através do seu olhar, sem serem precisas palavras. Impávido e sereno - a expressão das suas sobrancelhas, contudo, é capaz de nos contar muitas histórias -, espreita o vizinho que lhe rega  o limoeiro, receia a turbulência do avião onde viaja, assiste ao desfile de mulheres na passerelle que são as ruas de Paris, aos polícias inesperados e de gestos tão geométricos e simétricos (quase tanto como os seus planos de câmara), aos discursos dos produtores que não gostam das suas ideias, aos turistas ou mesmo ao pássaro que lhe entra pela janela - sendo que este o obriga a alguma interacção.

Perante o mais inesperado dos cenários, Suleiman reage sempre com tranquilidade, deixando confusos ou curiosos muitos dos que se cruzam consigo. E, da nossa parte, encaramos com a normalidade possível a banal existência de norte-americanos armados, no mesmo país onde circulam anjos palestinianos. Porque a magia surge até no mais sujo e dantesco dos cenários.


O Paraíso, Provavelmente é o retrato de uma luta interior entre passado e presente, uma fuga após um momento triste e doloroso, em busca da paz interior e da esperança no futuro, que, provavelmente, só encontrará no regresso à sua terra natal.

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