*9/10*
O luto de muitas famílias colombianas é transposto para Tantas Almas, de Nicolás Rincón Gille, numa homenagem introspectiva e cheia de significância.
A ideia de fazer Tantas Almas nasceu em 2008, enquanto Nicolás Rincón Gille preparava o documentário Los Abrazos del Río (2010). A violência paramilitar tinha devastado aquela zona da Colômbia, e o realizador decidiu viajar pelo Rio Magdalena, recolhendo testemunhos.
A acção de Tantas Almas passa-se exactamente nas margens desse rio, em 2002. Após uma longa noite de pesca, José regressa a casa, na floresta, para descobrir que forças paramilitares lhe mataram os filhos, Dionísio e Rafael, e deitaram os corpos ao rio. José inicia uma viagem solitária para os recuperar e sepultar os seus corpos, a fim de impedir que as suas almas atormentadas fiquem presas neste mundo. A bordo da sua canoa, José descobre a magia de um país dilacerado.
A esperança e a fé inabalável deste pai são os motores que nos guiam rio abaixo e floresta adentro, com o perigo a espreitar nas margens, onde todos vivem com medo e superstição, e no rio, com a morte espalhada (e espelhada) na água.
No percurso silencioso, José mantém a descrição, sempre atento e educado. A morte acompanha-o de perto, por onde quer que vá e os poucos encontros fugazes que tem ao longo da jornada são um bom resumo do que o rio tem para dar: crueldade, medo, morte, fuga, mas também sonhos, bondade e esperança. E são estes três substantivos que fazem pairar algo de mágico em redor de José, incapaz de desistir, e nos deixam criar laços fortes com o protagonista.
A par da história, Tantas Almas apresenta ainda um magnífico trabalho da direcção de fotografia, de Juan Sarmiento G., ao filmar a noite com uma luz muito particular, e dando vida às cores da floresta - há um realismo mágico a percorrer as imagens, do início ao fim do filme.
Tantas Almas é um lamento silencioso de um país. O realizador Nicolás Rincón Gille é capaz de combater a brutalidade e a violência que rodeiam estes povos com todo o amor e simplicidade deste pescador.
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