sexta-feira, 11 de junho de 2021

Opinião: Minisséries - I May Destroy You (2020)

*7.5/10*


Michaela Coel criou I May Destroy You na sequência de um episódio de abuso sexual de que foi vítima. A história de Arabella é inspirada no seu próprio caso, e a minissérie pode ser encarada como um acto de coragem e de catarse. 

"Facilmente distraída, descomprometida e despreocupada, Arabella Essiuedu (Michaela Coel) vê uma das suas obras literárias elogiada online. De repente, é apelidada de 'a voz da sua geração' e ganha um agente, um contrato para a publicação dos seus próximos livros e muita pressão. Violada numa discoteca, Arabella é forçada a reavaliar tudo: a sua vida, a carreira, os amigos e até a família. Enquanto luta para aceitar o que aconteceu, Arabella começa também uma viagem de autodescoberta."

A singularidade de I May Destroy You está na forma crua e despudorada com que trata temas que a sociedade ainda encara como tabu: o sexo (heterossexual, homossexual ou com múltiplos parceiros); a menstruação; a violação (nas suas diversas formas); a forma diferenciada como as vítimas de abuso sexual são tratadas pelas autoridades, consoante o género ou orientação sexual; o conceito de consentimento ou a transexualidade.


Através de 12 episódios curtos, intensos e vibrantes, sentimos que a jornada pela vida de Arabella passa num instante, com um impacto brutal em nós e, esperemos, na sociedade. Apegamo-nos a ela e aos seus amigos mais próximos - Terry (Weruche Opia), Kwame (Paapa Essiedu) e mesmo o solitário Ben (Stephen Wight) - e adoramos a naturalidade com que os quatro interagem e a intimidade que partilham. Este realismo é um dos pontos mais fortes de I May Destroy You. A entrega de Michaela Coel, Paapa Essiedu e Weruche Opia resulta na relação de amizade ficcional mais genuína e credível.

Arabella tem extrema dificuldade em aceitar e lidar com o que lhe aconteceu - com todos os fantasmas literalmente escondidos debaixo da cama -, mas nunca chega a ter medo. É uma mulher corajosa, descomplexada e bem resolvida, que sofre um forte golpe na sua independência ao perceber que é uma vítima. O trauma leva-a a reviver outras experiências marcantes da sua vida, que haviam ficado perdidas no subconsciente, e, ao longo dos episódios, acompanhamo-la numa viagem de autodescoberta e de reavaliação das prioridades - a dependência que os três amigos (Arabella, Terry e Kwame) têm das redes sociais chega a ser perturbadora e uma ameaça à sua própria liberdade.

I May Destroy You apresenta ainda um excelente trabalho técnico, com a direcção de fotografia a sobressair, em especial nas cenas nocturnas, e com a montagem a desempenhar um papel essencial para entrar nos flashbacks da protagonista após a noite da violação.


Depois do crescendo dos episódios iniciais - onde são feitas abordagens talvez nunca vistas em televisão -, a minissérie perde-se por momentos, especialmente entre os episódios 6 e 9, recuperando todo o fulgor nos três últimos, numa conclusão inspiradora.

Michaela Coel transpira talento, superação e criatividade e I May Destroy You é a maior prova disso mesmo. Poderá não ser a minissérie perfeita, mas é fundamental para normalizar e por em debate tantos assuntos que a opinião-pública, desde sempre, quis calar.

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