"Quiero ser una mujer."
Manitas
*7/10*
Jacques Audiard não é um cineasta consensual, mas não haja quaisquer dúvidas que gosta e assume muitos riscos e desafios. Emilia Pérez é reflexo do seu lado mais arrojado, numa mistura de géneros cinematográficos e temáticas, com três mulheres fortes a encabeçar o elenco.
O filme segue "a odisseia de quatro mulheres no México, cada uma em busca da sua própria felicidade. Entre elas está Rita (Zoe Saldaña), uma advogada altamente qualificada, mas desvalorizada numa empresa que está mais interessada em livrar criminosos do que levá-los à justiça. Um dia, Rita é raptada pelo cartel de droga liderado por Manitas (Karla Sofia Gascón), que acaba por contratá-la para o ajudar a mudar de vida e iniciar a sua transição sexual".
A ironia da premissa de Emilia Pérez é o ponto de partida para acompanhar uma longa-metragem que trata, no mesmo argumento, de temas como a transexualidade, injustiça, corrupção, violência, crime, cartéis de droga, desaparecimentos no México e dramas pessoais e familiares. Tudo isto, transposto para o grande ecrã em forma de um Musical.
Esta multiplicidade de personalidades da obra cinematográfica de Audiard cria um sentimento dúbio e quase antagónico em relação a Emilia Pérez. Há tanto de cativante e ritmado como de desconexo e pretensioso. O filme seduz pela sua audácia mas afasta pela falta de foco e ambição desmedida. No entanto, será impossível negar que desperta uma diversidade de emoções, muitas delas contraditórias, na plateia. Honras lhe sejam feitas por isso, poucos são os que o conseguem.
A opção pelo género musical é, para mim, um trunfo de Jacques Audiard, que torna a longa-metragem distinta e muito dinâmica. Já o lado mais melodramático que toma, a certo momento, torna tudo menos fluído. Há alguma desconexão de temáticas e uma constante alteração de género cinematográfico, que faz parecer que existem vários filmes dentro do mesmo: um musical com acção, drama, romance e thriller. O que poderia ser uma história de redenção é, de repente, tomada por um desejo de vingança (quase num regresso de Manitas) que toma conta do filme e acaba por ganhar - e tirar muito do valor conquistado na sua primeira metade.
As personagens Rita, Emilia e Jessica têm as três grande profundidade dramática. Seja a advogada brilhante que enfrenta dificuldades em subir na carreira; seja a mulher que viveu no corpo de um homem toda a vida e que agora surge com uma nova identidade e vida; ou a mulher abandonada e solitária que viveu sempre presa às regras do cartel do seu marido. As três actrizes superam-se ao vestir-lhes a pele. Zoe Saldaña é quem mais se destaca, com um trabalho camaleónico e muito seguro, surpreendendo em todos os registos que o filme pede, incluindo o musical, onde canta e dança sem receios. Já Karla Sofía Gascón vive Manitas e Emilia, com todos os seus traumas e violência, as suas tentativas de redenção e vingança. Selena Gomez, mais comedida, tal como a sua personagem, é uma jovem amargurada, que vive para os filhos e vai adiando o amor e a felicidade.
Emilia Pérez é uma montanha-russa de histórias, experiências e emoções. Deixa um sabor agridoce, uma espécie de amor-ódio - tal qual as personagens também sentem. No meio de tanto, há algo que ficará certamente com o público: a excelente banda sonora, repleta de temas que não saem do ouvido.
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