quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Crítica: Boi Neon (2015)

"'Ta pensando o quê? Eu sou vaqueiro mas gosto de coisa boa." 
Iremar

*9/10*

Um realismo cru mas fantástico, a cavalgar entre os bois, a pobreza, os sonhos e o sexo, assim se pode apresentar Boi Neon, de Gabriel Mascaro. Uma proposta cinematográfica original e envolvente, que deixa um rasto de melancolia por onde passa.

Conhecemos Iremar nos bastidores das vaquejadas brasileiras. Ele prepara os bois antes de os soltar na arena. Levando a vida na estrada, o camião que transporta os bois para o evento é também a casa de Iremar e dos seus colegas de trabalho: , o parceiro de curral, e Galega - dançarina, motorista e mãe da pequena e curiosa Cacá. Juntos, formam uma família improvisada e unida. O quotidiano é intenso e visceral, mas Iremar tem outras ambições. Deitado na sua rede na traseira do camião, ele divaga por sonhos de lantejoulas, tecidos requintados e modelos.


O vaqueiro e a sua rotina dura, para si e para os animais, mas que se alimenta de sonhos que começam nos esboços sobre as revistas pornográficas do companheiro . Cacá é ela mesma a metáfora da esperança, por muito desencantada com a vida que já pareça estar. Não vai à escola, mas tem muito potencial, perde horas a admirar os cavalos que não pode ter, anseia por reencontrar o pai desaparecido, e Iremar alimenta-lhe os sonhos. Galega é a mãe solteira, mulher de armas que persegue os ideais femininos da actualidade. A moda e a beleza são temáticas que lhe são queridas e, apesar do trabalho pouco feminino e da vida nómada que leva, tudo faz para preservar a sua sensualidade.


As condições decadentes onde dormem, comem ou fazem a sua higiene contrastam com toda a vida que os envolve. Os cenários por onde passam mostram-nos este desequilíbrio, tal qual o próprio Brasil, repleto de desigualdades.

Juliano CazarréMaeve Jinkings e a pequena estreante Alyne Santana entregam-se de corpo e alma às suas personagens, IremarGalega Cacá, respectivamente. Ligam-se à vida que os rodeia como se lhe dessem continuidade - e, efectivamente, uns dependem dos outros. Trabalhadores e sonhadores, cruzam-se paixões e destinos. Deambulam em redor de Boi Neon, o ideal da figura paterna ausente, as necessidades mais primárias do ser humano, a sobrevivência e a continuidade.


Enquanto lutam pelos seus sonhos e batalham para seguir em frente, no dia-a-dia, os protagonistas deixam vir ao de cima o que guardam em si de mais primitivo. O instinto domina-os, tal como aos animais.

A realização de Gabriel Mascaro é corajosa, com recurso a planos-sequência certeiros e intensos, cores a chamar pelo néon do título, que se manifestam em especial à noite, entre sonhos e realidade. De dia, a Natureza domina, entre o quotidiano junto do gado ou a percorrer paraísos perdidos através de planos hipnotizantes.


Boi Neon respira Natureza e verdade. Traz ao cinema o que de mais puro e mais carnal compõe o homem que, perante todas as adversidades, segue em frente, persegue as suas ilusões.

Sem comentários: