quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Crítica: Joker (2019)

"I used to think that my life was a tragedy, but now I realize, it's a comedy."
Arthur Fleck


*9/10*

Todd Phillips traz ao Cinema o filme que o Mundo merece. Joker é sobre um dos vilões mais famosos de Batman, mas podia ser sobre aquele homem que passa por nós todos os dias na rua, ou nos transportes... Este Joker tem nome - Arthur Fleck - e é humano.

Haja coragem e talento para agarrar numa personagem destas e dar-lhe um background digno, que a justifique enquanto pessoa que podia muito bem ser real e não apenas ficção. O Joker de Joaquin Phoenix tem tudo isso, e faz-nos encontrar o verdadeiro vilão das histórias terríveis que acontecem em Gotham: a sociedade.

Sozinho na multidão, Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) procura conectar-se com alguém e luta para encontrar o seu caminho na sociedade fracturada da cidade de Gotham. Com a ânsia de se tornar bem-sucedido, tenta a sorte como comediante de stand-up, mas acaba por descobrir que a sua vida é uma piada.


Todd Phillips e Scott Silver criam um passado consistente e realista para o vilão que tem marcado a carreira de tantos actores: Jack Nicholson, Heath Ledger (cujo nome carregará para sempre o legado mais pesado da personagem, que terminou antes da estreia de O Cavaleiro das Trevas, com a morte do actor), Jared Leto, entre tantos outros. Phoenix é agora posto à prova, muitos quilos mais leve, encarnando o mais humanizado Joker de sempre.

Joker é uma alegoria ao mundo moderno: individualista, mordaz, que vive de aparências. Gotham é a cidade suja, decadente, dividida e insatisfeita, que caminha a passos largos para uma escalada de violência sem par. Arthur é um homem que sofre - talvez mais do que outros cidadãos - com esta situação. Sofre de doença psiquiátrica, cuida da mãe doente, trabalha como palhaço para ganhar a vida, mas o seu sonho nunca deixa de ser tornar-se comediante como o seu ídolo televisivo Murray Franklin - interpretado por Robert de Niro.


Esqueçam os heróis. Em Joker, só há vilões, com e sem máscara de palhaço. Há uma agonia permanente desde o primeiro plano do filme de Todd Phillips. A angústia por ver ao que tudo chegou, por perceber como a sociedade trata os mais frágeis, com ausência de justiça ou lei; mas principalmente, por encontrarmos tantas semelhanças com o actual Mundo real. 

Ao mesmo tempo, nesta Gotham de Todd Phillips encontram-se tantas influências de Martin Scorsese que será fácil encontrar Taxi Driver ou O Rei da Comédia pelas ruas da cidade - e não só pela presença de de Niro.

Eis a apoteose do Joker, como não pensávamos possível ver no cinema. Uma personagem sóbria e bem explorada, que carrega um sofrimento tão imenso que as gargalhadas compulsivas só tornam mais aterrador. Joaquin Phoenix supera-se quando pensávamos que já não seria possível, e as lágrimas caem-lhe no rosto, enquanto o riso descontrolado assombra a sala de cinema. A dor que sente - mais mental que física - transparece em cada expressão e mesmo nas suas danças inebriantes, que acompanhamos vidrados, encontramos a tristeza irreparável.


Joker releva-se um clássico negro do cinema moderno, acompanhado de uma banda sonora que o torna ainda mais singular e paradoxal. Há magia nos temas que ouvimos, que acompanham as imagens, num contraste sombrio mas entusiasta e ritmado. O submundo emerge em planos poderosos que deixarão a plateia tão emocionada como desconfortável.

Não há desculpas. Ninguém quer idolatrar um criminoso e essas críticas infindáveis, ao que poderá ou não retirar-se de Joker, só espelham aquilo que o filme critica: Se a sociedade não te acolhe como podes tu acolhê-la? Arthur Fleck é sua vítima e seu produto.

1 comentário:

Belinha Fernandes disse...

Um texto que o Joker sem dúvida merece. Ansiosa para ver o filme com um dos meus actores favoritos!