quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Crítica: Complô (2025)

*8.5/10*

A voz forte e rouca de muitas lutas faz-se ouvir em Complô, onde João Miller Guerra segue Bruno Furtado, o rapper Ghoya, no plano criativo e pessoal, criando um retrato do músico e do homem.

"Órfão de um país onde nasceu, órfão do Estado. Encarcerado metade da sua vida, sempre livre. Bruno é 'Ghoya', rapper crioulo e activista político. Este filme, um espaço de encontro num momento da luta e da vida."

Complô começa por apresentar o Bruno Furtado activista, um homem seguro, de discurso articulado e fluido e palavras fortes, numa manifestação, em 2020, contra o assassinato do actor Bruno Candé e pelas vítimas do racismo. É a partir daqui que o protagonista se desconstrói perante a câmara.

Dentro e fora do estúdio, entre o processo criativo e o pesadelo burocrático nacional, o realizador acompanha Ghoya, ao longo de vários anos, no seu quotidiano, tornando-se, ele mesmo, parte da família que acompanha o rapper.

Nascido em Lisboa, Bruno cresceu e estudou em Portugal, passou parte da infância no desaparecido bairro das Fontaínhas (dos filmes de Pedro Costa), e cedo ficou sob a tutela do Estado, primeiro em colégios, mais tarde na prisão. O rapper reflecte sobre este passado, ainda recente, e a falta de apoio na reinserção, para além de todas as dificuldades que o deixam num limbo de identidade.

Nos momentos de maior desalento, criar música é a terapia. E, entre amigos, comenta-se com ironia, que falar crioulo parece ter virado moda entre os jovens portugueses brancos, mas sempre tão mal visto quando quem o fala são os seus herdeiros negros. Um pequeno reflexo das contradições de um país que continua a não assumir o seu racismo intrínseco e estrutural.

Complô é o retrato de um artista, mas é, principalmente, uma forma de revelar os órfãos que o Estado invisibiliza há décadas; um tocante manifesto de Ghoya através da sua música e de Miller Guerra através do seu cinema. 

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