sábado, 21 de abril de 2012

Crítica: Tabu (2012)

"Sou uma tola, porque a vida das pessoas não é como nos sonhos"
Aurora

Histórias de quem pensa mais em si do que nos outros e de amores e desamores, entre Moçambique e Portugal. Tabu traz tudo isto a preto e branco, filmado em 35 mm e no formato 1:1.37 (ecrã quadrado), é um filme que deve ser visto no cinema. Miguel Gomes quis assim voltar a surpreender tudo e todos depois de Aquele Querido Mês de Agosto, e Tabu já arrecadou o Prémio Alfred Bauer, para a inovação, e o Prémio Especial da Crítica, no último Festival de Berlim, e mais dois no Festival Internacional de Cinema de Las Palmas, o Prémio Lady Harimaguada de Prata e o Prémio do Público.

As histórias de Pilar, Santa, Aurora e Gianluca Ventura tudo contado de forma singular. Pilar vive os seus primeiros anos de reforma a tentar endireitar o mundo e a lidar com as culpas dos outros. Os seus dias dividem-se entre vigílias pela paz e grupos católicos de intervenção social, mas inquieta-se, sobretudo, com a solidão da sua vizinha Aurora, uma octogenária temperamental e excêntrica, que foge para o casino se tiver dinheiro, fala da filha que pouco se importa com ela, ressaca antidepressivos e desconfia que Santa, a sua  empregada cabo-verdiana, dirige contra ela práticas de voodoo. De Santa pouco se sabe, é de poucas palavras, executa ordens e acha que cada um deve meter-se na sua própria vida. É a partir de um misterioso pedido de Aurora, que as outras duas se unem para o tentar cumprir. Quer encontrar-se com um homem, Gianluca Ventura, que até então ninguém sabia que existia. Pilar e Santa descobrem o seu paradeiro, mas informam-nas de que já não está bom da cabeça. Ventura tem um pacto secreto com Aurora e uma história por contar. Uma história passada há cinquenta anos, pouco antes do início da Guerra Colonial portuguesa.


A história de Tabu divide-se em duas partes. A primeira, Paraíso Perdido, passa-se em Lisboa e dá-nos a conhecer a altruísta Pilar, Santa e uma Aurora idosa. O quotidiano das três é-nos apresentado e é aqui que começamos a estabelecer empatia com as personagens, sem nada saber ainda do seu passado. Esse é-nos contado na segunda parte - Paraíso -,onde ficamos a conhecer a juventude de Aurora e de Gianluca e todos os segredos tão bem guardados na parte inicial de Tabu.

As personagens possuem características muito próprias que as tornam únicas no seu universo. Pilar, para além de todos os gestos altruístas que ocupam os seus dias, parece trazer para o filme uma paixão pelo cinema, que frequenta com regularidade. Muito religiosa, preocupa-se com todos, descurando-se a si mesma. Aurora, em idosa, apresenta-se debilitada, com alguns rasgos de excentricidade, por vezes pouco lúcida, mas, apesar de tudo, mantendo uma personalidade forte que já vem da sua juventude, aventureira e corajosa. Gianluca, um playboy enquanto jovem, é, em idoso, o narrador nostálgico de toda a segunda parte de Tabu. E para personagens tão boas, actores à altura. Teresa Madruga entrega-se a Pilar, uma das personagens com quem mais iremos simpatizar e que é fundamental para conhecer toda a história. Aurora em idosa é interpretada pela veterana Laura Soveral, que lhe confere algo de especial e mágico. 50 anos antes, Ana Moreira dá-lhe toda a jovialidade e firmeza características, uma mulher decidida e sem medo de nada. Gianluca Ventura tem também dois interpretes de peso: em idoso Henrique Espírito Santo é quem lhe veste a pele, em jovem é Carlotto Cota quem encarna o aventureiro.


Os diálogos são muito bons, com frases marcantes para a história, e uma narração que diz tudo o que queremos saber, a seu tempo. O argumento, relativamente simples, alia-se de tal forma a aspectos mais técnicos que lhe conferem uma complexidade e beleza a que já não se está habituado no cinema. Para além de ser rodado em 35 mm e a preto e branco, as cenas de Moçambique, presentes em Paraíso, foram filmadas em 16 mm, e deixam-nos ver melhor o grão da película. Mais ainda, nessa segunda parte nunca ouvimos as vozes dos actores jovens, podemos escutar todos os outros sons, como se estivéssemos lá, os pássaros, a água, alguém bater à porta, mas as personagens surgem-nos mudas, sendo a única voz presente a do narrador, Ventura, que nos conta tudo o que aconteceu na sua juventude. Miguel Gomes fez um trabalho de realização excelente, aliado a uma fotografia fantástica e banda sonora que se encaixa da melhor forma em todo o ambiente.

A nostalgia de um amor proibido paira em Tabu, que prima pela beleza visual e originalidade que traz ao cinema. Recupera métodos que parecem estar a ser esquecidos e mostra como, nos dias de hoje, filmes assim também funcionam e muito bem.
*8.5*

3 comentários:

Sam disse...

O meu anseio por ver este TABU era grande... mas depois de ler a tua excelente crítica, esse anseio aumentou. E muito!

Retenho, do teu texto, o sublinhar da «beleza visual e originalidade que traz ao cinema», assim como o foco que fazes aos «métodos que parecem estar a ser esquecidos e mostra como, nos dias de hoje, filmes assim também funcionam e muito bem».

Por estas palavras, parece mesmo um filme "à minha maneira" :)

Cumps cinéfilos. :*

Inês Moreira Santos disse...

Muito obrigada, Sam.
Parece-me que, sim, vais gostar bastante do filme. :)

Cumprimentos cinéfilos :*

Unknown disse...

Crítica à altura do filme.