O bairro da Reboleira serve, uma vez mais, de palco ao trabalho de Basil da Cunha. O realizador luso-suíço viu a sua primeira longa-metragem, Até Ver a Luz, na Quinzena dos Realizadores, no Festival de Cannes deste ano, e estreou-a agora no circuito comercial de cinema.
Um protagonista que vive de noite, na Sombra que lhe dá o único nome que lhe conhecemos, é o nosso guia pelas estreitas ruas do bairro. Ele leva-nos ao centro dos conflitos e da festa, a uma realidade ficcionada mas com personagens de carne e osso, e com uma espiritualidade muito singular. Até Ver a Luz quase que funde o documentário com a ficção, onde a segunda predomina claramente. Os actores são realmente os moradores da Reboleira, e a naturalidade com que agem perante as câmaras é fabulosa.
Até Ver a Luz gira em torno de Sombra, que, acabado de sair da prisão, volta à vida de dealer no bairro da Reboleira. Entre o dinheiro emprestado que não consegue recuperar e aquele que deve, uma iguana pouco comum, uma jovem vizinha sempre por perto e um chefe de gang que duvida da sua boa fé, Sombra começa a pensar que, de facto, mais valia ter ficado dentro.
Basil da Cunha oferece-nos um argumento simples, com um cenário e personagens cativantes. A história de acção e desconfiança de Até Ver a Luz alia-se a um tom, por vezes, cómico, mas sempre eficaz nesse registo. As personagens são reais e credíveis, e é fácil criar empatia com elas - em especial, com Sombra, Nuvem e Clarinha.
Ao contrário do que seria de esperar de um filme que se passa neste tipo de ambiente (no caso, um bairro problemático dos arredores da capital), Basil da Cunha não pretende abordar qualquer temática moralista. Não há lições de moral a dar ou críticas sociais a lançar, disso está o mundo farto. Até Ver a Luz consegue ir mais além e ser mais profundo, até mesmo espiritual. Mostra-se a vida no bairro, de noite, o presente de Sombra, Olos, Mix, Nuvem, e de todos os outros que discutem, conversam, dançam, tocam... e que dão vida ao bairro e à longa-metragem a que assistimos. Em fusão perfeita com o realismo do filme, está a fantasia, uma espécie de estado de transe ou alucinação - onde não faltam as superstições -, que não surge, em momento algum, desfasada da narrativa. Pelo contrário, torna-a ainda mais próxima de quem assiste.
No elenco - amador, mas a demonstrar grande profissionalismo -, destaque para o protagonista, Pedro Ferreira, que veste a pele de Sombra. Ele anda pelos telhados da Reboleira, tem medo da luz do dia e um carinho especial por uma iguana de estimação que, como a si mesmo, priva da luz do Sol. Uma personagem que surge deslocada do seu mundo, mas que nutre sentimentos fortes pelos poucos que lhe dão algum tipo de conforto. Nelson da Cruz Duarte Rodrigues volta a ser Nuvem (depois de ter protagonizado a curta-metragem homónima de 2011) com um desempenho muito competente. A personagem, apesar de ter pouco tempo de antena, transmite as mensagens mais fortes. Já no trailer temos a inesquecível "Vive de dia, descansa de noite", um conselho a acatar. João Veiga, como Olos, e Paulo Ribeiro, como Mix, são outros dois desempenhos a realçar, bem como todo o restante elenco secundário, que nos diverte e envolve na acção.
Da competência técnica, à banda sonora cheia de ritmos africanos que nos põem a dançar, passando pela originalidade com que a narrativa é conduzida, Até Ver a Luz deveria ser o filme falado em português - e crioulo - (não é considerado filme português, já que a produção é apenas suíça) obrigatório do ano. Basil da Cunha prova, agora com a sua primeira longa-metragem, o jovem e prometedor talento que tem em si.
Da competência técnica, à banda sonora cheia de ritmos africanos que nos põem a dançar, passando pela originalidade com que a narrativa é conduzida, Até Ver a Luz deveria ser o filme falado em português - e crioulo - (não é considerado filme português, já que a produção é apenas suíça) obrigatório do ano. Basil da Cunha prova, agora com a sua primeira longa-metragem, o jovem e prometedor talento que tem em si.
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