sábado, 15 de fevereiro de 2014

Crítica: Uma História de Amor / Her (2013)

"She's not just a computer."
Theodore

*7/10*

O pessimismo e a nostalgia invadem uma sociedade futurista, onde as emoções deixam de ser tão realistas como deviam. Uma História de Amor (Her, no original) é uma mordaz crítica social ao modo como o humano se relaciona com a tecnologia e, cada vez menos, com o seu semelhante.

Numa Los Angeles de um futuro próximo, Theodore Twombly é um homem complexo e sentimental que ganha a vida a escrever cartas pessoais para outros. De coração partido, após o fim de um longo relacionamento amoroso, Theodore fica intrigado com um novo sistema operativo, que promete ser uma entidade intuitiva em si mesma, com uma adaptação individualizada ao utilizador. Quando o inicia, fica encantando por conhecer Samantha, uma voz feminina perspicaz, sensível e divertida, que lhe parece muito real. À medida que as suas necessidades e desejos crescem, em sintonia com os de Theodore, esta amizade transforma-se numa espécie de história de amor.

Spike Jonze escreve e realiza e tem no argumento o ponto forte da sua mais recente longa-metragem. A distopia que apresenta em Uma História de Amor pode facilmente confundir-se com isso mesmo - uma história de amor -, mas, longe do romantismo, é muito mais uma história de seres humanos que deixaram de ser capazes de lidar com emoções reais. No futuro idealizado por Jonze a solidão invade os espaços cheios de gente. São raras as conversas entre amigos, colegas, vizinhos, é raro o olhar para o outro, a sociabilização quase deixa de existir. As atenções centram-se nos aparelhos electrónicos, tão evoluídos, em que já nem precisamos tocar, basta falar, ordenar.


Viver com e para a tecnologia é cada vez mais uma realidade nos dias que correm. Desde cedo que o cinema antecipou o crescendo tecnológico e o poder que esta ferramenta começaria a ter. Jonze leva ao extremo a ideia de um sistema operativo conseguir ter emoções e querer evoluir - mais do que devia -, tal como um ser humano. Com o surgimento desta inovação e de Samantha - ironicamente feita à medida do seu utilizador, Theodore -, tudo se torna ainda mais bizarro. O coração partido de Theo parece encontrar apenas ali a forma - muito fantasiosa - de superar o fim do casamento, a separação da mulher que tanto amou. Mais ainda, surpreendentemente, o facto de um homem namorar com um programa de computador é encarado com extrema naturalidade.

No entanto, Uma História de Amor encaminha-se, em certos momentos, por terrenos menos felizes. O encontro às cegas do protagonista faz-nos perder algum interesse, reforçando a ideia de que, no futuro, ninguém parece saber lidar com sentimentos e relações. A crítica é quase certeira, mas perde-se um pouco na baixa probabilidade deste futuro próximo, e por delegar à maioria da população um espírito muito fraco e nulidade de emoções reais - o pessimismo no que toca ao amor e às emoções é verdadeiramente arrepiante, o que, por outro lado, pode jogar a favor do filme.

Por sua vez, a evolução de Samantha, que tanto questiona e ambiciona ser, torna-a menos ideal do que o previsto, revelando uma faceta egoísta do sistema operativo - que, como em tantos outros filmes, parece querer dominar e superar o humano -, trazendo, no desenrolar da narrativa, muito pouco de aliciante à ideia base. A voz que apaixona o protagonista precisa de algo mais substancial e credível para nos conquistar e, neste caso, apenas nos poderá fazer deixar de acreditar no amor.

Joaquin Phoenix oferece-nos uma interpretação surpreendente - escapou-lhe este ano a nomeação para o Oscar (injustamente, mas há apenas cinco lugares para o muito talentoso ano 2013). Após o desequilibrado e atormentado pelo passado Freddie Quell, em The Master, o actor entrega-se agora ao seu oposto: o solitário romântico, deprimido, refém da tecnologia e com fortes dificuldades em sociabilizar. O seu emprego denota um lado sensível e sentimental, ao mesmo tempo que prenuncia a relação muito pouco saudável e irreal que desenvolve com Samantha. Phoenix transpira sensibilidade e uma timidez arrebatadora.


A amizade de Theodore com Amy, interpretada por Amy Adams - que cada vez mais se revela camaleónica e eficaz em todos os papéis - é, contudo, uma das características mais humanas de Uma História de Amor. A actriz surge com um visual diferente e incorpora uma mulher aparentemente decidida, mas sentimental, que, tal como o protagonista, não sabe lidar com o final de uma relação. Amy, que cria tecnologia, acaba por também, ironicamente, se refugiar nela. Um último destaque para Scarlett Johansson, que apesar de entrar no projecto com ele quase concluído (a actriz substituiu Samantha Morton), assume-se como fundamental, com a sua voz sexy e dominadora - muito longe das habituais robóticas a que se está habituado.

Visualmente, os tons claros de ambiente predominam, e contrastam fortemente com as cores garridas do guarda-roupa (numa sociedade tão distópica, as emoções tinham de estar em algum lado, nem que seja na alegria reprimida de uma camisa vermelha). A banda sonora - nomeada para o Oscar - é um ponto muito forte de Uma História de Amor: melancólica, romântica, nostálgica, e, contudo, tornando-se rapidamente frenética, a transbordar tecnologia e a incorporar a ideia de um computador ou jogo de vídeo.

Um futuro pouco feliz, e com uma aterrorizante dependência sentimental das máquinas, é o que nos traz Spike Jonze em época de romance. Todavia, Uma História de Amor apaixona pouco, serve sim como alerta para a valorização das emoções reais. Não vá Samantha bater-nos à porta um dia destes.

2 comentários:

Alexandre N. Machado disse...

Não concordo com sua interpretação. Eis minha interpretação: http://problemasfilosoficos.blogspot.com.br/2015/04/ela-her.html

Marisa disse...

Achei a interpretação bastante pertinente, com aspetos cruciais à perceção do filme.