*9/10*
Perdidos no mundo e na vida, Os Mutantes que Teresa Villaverde trouxe ao cinema português em 1998 comportou consigo um rasgo de desafio. A proximidade das personagens – que só podem contar connosco, o seu espectador atento e de confiança -, originada pela câmara da realizadora, obriga-nos a olhá-las nos olhos, sentir a sua dor e desespero. Pelo menos aqui não podemos evitar ver estes miúdos de rua “invisíveis”, incompreendidos. Não há julgamentos, nada de juízos de valor. É o realismo duro e cru(el), poucas vezes visto, até então, no cinema português.
Na sua primeira longa-metragem, a promissora Ana Moreira é Andreia e oferece-nos uma interpretação cheia de entrega e mágoa, num sofrimento interior carregado de inocência. Ao seu lado, Alexandre Pinto dá tudo de si na pele do jovem Pedro. Aqui, a maioria dos actores frequentavam realmente instituições semelhantes às que o filme mostra. As crianças e jovens marcam as obras de Villaverde e nesta longa-metragem eles são o motor da narrativa. São eles que nos transmitem a estranha (e quase contraditória) sensação de liberdade que nos contagia e inebria, até ao final.
Os Mutantes passou pela secção Un Certain Regard do Festival de Cannes, em 1998, e é um marco que importa não esquecer no Cinema Português. A aura que paira sobre o filme é triste, desconfortável, mas envolve-nos, como poucos, e transmite os sentimentos mais fortes e contraditórios, faz-nos pensar. Teresa Villaverde foi uma revelação, com a audácia que o público ansiava, na denúncia de uma crua realidade. Os Mutantes ajudou a construir a História de sucesso do nosso cinema: não há muitas palavras que o definam, mas fica a certeza que todos deviam vê-lo e reflectir sobre ele.
*Texto originalmente publicado na rubrica Hollywood, tens cá disto? do Espalha-Factos. Lê o artigo completo aqui.*
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