sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Crítica: Roma (2018)

"We are alone. No matter what they tell you, we women are always alone."
Sra. Sofía


*8/10*

Alfonso Cuarón
regressou do espaço sideral de Gravidade para a Terra, mais propriamente para a sua terra natal. Roma é um filme parcialmente autobiográfico em que o cineasta pretende homenagear a empregada que o criou. Cuarón tomou as rédeas da realização, mas igualmente do argumento e direcção de fotografia. Um filme muito pessoal, criado para ser universal.

Cuarón narra a vida de uma família na Cidade do México no início dos anos 70. Seguimos Cleo (Yalitza Aparicio), uma jovem doméstica que trabalhava para uma família de classe média no bairro de Roma. Inspirando-se na mulher que o criou, o realizador constrói um retrato da vida doméstica e da hierarquia social no seio do tumulto político da época.


Em primeiro lugar, é de realçar que Roma é um exímio trabalho estético e técnico, ou não fosse o primeiro plano do filme uma prova disso mesmo. No mosaico do chão do pátio da casa que Cleo lava, vemos reflectido um avião, que atravessa o céu (aviões que se multiplicam ao longo do filme). A precisão de Cuarón é imensa e proporciona planos de grande beleza - o expoente máximo será talvez o momento na praia que ilustra o poster da longa-metragem -, filmando a preto e branco e tirando o máximo partido do detalhe e profundidade.

A narrativa é simples e muito dirá às famílias da América Latina (nesta temática lembro-me logo do brasileiro Que Horas Ela Volta?, de 2015). Para além da homenagem à mulher que o criou, Roma é igualmente, a meu ver, um elogio às mulheres que sofrem, que parecem condenadas, a elas que estão "sempre sozinhas" como a certo momento a dona da casa, Sofía, diz para a empregada, Cleo.


O perfeccionismo de Alfonso Cuarón em relação ao seu filme mais pessoal é justificado, tendo o cineasta tentado replicar com grande exactidão a casa onde cresceu. Ao mesmo tempo, também consegue recriar com sucesso o claro contraste social, entre a cidade moderna e desenvolvida e os bairros mais pobres, sem condições - nem ruas pavimentadas ali existem -, e as diferentes classes sociais. O clima de instabilidade sociopolítica da época é abordado mais superficialmente (a violenta manifestação de estudantes, por exemplo) o que poderá ser um obstáculo para o público que não conhece bem a História mexicana.

Do pessoal para o universal vai alguma distância e talvez seja por isso que Roma merecia ser ainda mais sentido pela plateia. Contudo, Cuarón faz uma despersonalização das personagens, em especial da protagonista, que faz com que Roma não tenha o impacto que merecia. Cleo não tem opiniões, nem personalidade, guarda tudo para si e poucas emoções expressa, ficando relegada apenas ao papel de empregada ou de mulher solitária. Por outro lado, o pequeno Pepe (o alter-ego do realizador) tem uma imaginação entusiasmante.


As influências de Cuarón vão surgindo, bem como sinais premonitórios de acontecimentos futuros vão sendo subtilmente lançados ao longo do filme. E assim se constrói uma longa-metragem que é uma memória de infância filmada pelos olhos da criança que se tornou adulta, muito intima para o realizador e emotiva (em muitos aspectos) para o público. Roma não é a obra-prima que podia ser, mas oferece fabulosas sensações visuais e outras tantas muito emocionais. As mulheres sofrem, mas são elas as heroínas da história - e das crianças.

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