segunda-feira, 1 de abril de 2019

Crítica: Diamantino (2018)

"Vamos fazer Portugal grande outra vez!"


*8/10*

Será que Portugal está preparado para Diamantino? Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt arriscam, sem pudor, e dão asas à imaginação e extravagância, para nos oferecem uma comédia viciante e original sobre um jogador de futebol muito ingénuo e o mundo que o rodeia.

Não se sabe como o país irá reagir a esta paródia inesperada. Não há medo, nem vergonha. Há elementos extremamente "fofos" e outros quase diabólicos, há amor, enganos, não há complexos, há ciência, refugiados e nacionalismos. Entre a política e os relvados, certo é que a vida de Diamantino leva uma reviravolta.

Diamantino, a maior estrela de futebol do mundo, perde o talento e a sua carreira acaba em desgraça. À procura de um novo objectivo de vida, o ídolo internacional começa uma odisseia - qual Ulisses - que mistura neofascismo, adopção, a crise dos refugiados, modificação genética e a busca pela origem da genialidade.


É a primeira longa-metragem de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt e conquistou logo o Grande Prémio da Semana da Crítica do Festival de Cannes. Ao ver Diamantino, compreendemos os motivos. A singularidade do que é apresentado é tão surreal como clássica. A opção de filmar em película de 16 mm, que confere um grão muito visível à imagem, joga na mesma equipa que efeitos especiais competentes, numa fusão de opções tão diferentes, desde a componente técnica ao argumento. Basicamente, sentimo-nos introduzidos no sonho de alguém com muita imaginação.

As personagens estão propositadamente cheias de clichés, desde o jogador de futebol musculado e milionário, mas muito naïf e pouco perspicaz; às irmãs gémeas (bem interpretadas por Anabela e Margarida Moreira) malvadas que só pensam em dinheiro - todos com um afincado sotaque micaelense. Não faltam agentes secretos, cachorrinhos peludos, o gato piruças, um filho adoptivo (?), uma ministra kubrickiana, nem a vontade de construir uma muralha (onde é que já ouvi isto?).


Carloto Cotta transformou-se para encarnar este ídolo nacional, que de estrela dos relvados passa a cobaia de experiências científicas. Pelo meio de muitas farsas e enganos, Diamantino faz-nos lembrar alguém: Cristiano Ronaldo não pode ficar afastado da conversa quando falamos deste filme. No final de contas, é a ideia do melhor do mundo que está perante os nossos olhos, interpretado por um homem alto, moreno, com penteados da moda, carros milionários e muito musculado. Além disso, o protagonista é quase um D. Sebastião, qual símbolo de esperança de uma nação. Ele faz arte na catedral que é o estádio e quer ser "sublime", como as pinturas de Michelangelo na Capela Sistina, que o pai tanto admirava. Cotta pode exibir aqui todo o seu talento, sem tabus, e é exemplar ao representar um homem adulto cuja mente é semelhante à de uma criança. É impossível não acarinhar o protagonista.


A ideia de remeter para a actualidade política é executada com acutilância e Diamantino revela-se tão satírico como delirante. No filme, querem "fazer Portugal grande outra vez”. No meio cinematográfico, Abrantes e Schmidt já o conseguiram fazer.

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