terça-feira, 27 de agosto de 2019

Crítica: Era Uma Vez... Em Hollywood / Once Upon a Time in Hollywood (2019)

"I'm the Devil. And I'm here to do the Devil's business."
Tex


*7/10*

Quentin Tarantino
gosta de fazer justiça pelas próprias mãos, isso já sabemos. Em Era Uma Vez... Em Hollywood, o realizador baseia-se pela primeira vez em acontecimentos reais para criar a sua história, num tributo a uma época menos dourada de Hollywood.

Juntar Leonardo DiCaprio e Brad Pitt no mesmo filme não é para todos - prova disso é que esta foi a primeira vez que os dois actores contracenaram -, mas é para Tarantino. E que belíssima dupla nos é apresentada, o galã dos filmes de cowboys em crise e o seu duplo, não menos charmoso.

Tudo acontece na Los Angeles de 1969, onde o clima é de mudança. Rick Dalton (Leonardo DiCaprio), estrela de TV, e o seu duplo de muitos anos, Cliff Booth (Brad Pitt), confrontam-se com uma indústria que já não reconhecem.


E eis que entram em cena os "factos reais" em que a história de Era Uma Vez... Em Hollywood se baseia: na madrugada do dia 9 de Agosto de 1969, a jovem actriz Sharon Tate (esposa do realizador Roman Polanski), de 26 anos e grávida de oito meses, foi assassinada, tal como alguns amigos com quem estava, pela seita de Charles Manson, na sua casa em Los Angeles.

Tarantino coloca-nos no ano de 1969, numa Hollywood decadente (onde os novos rostos são também uma nova esperança), com o florir do movimento hippie e do bando de Charles Manson - ele próprio um frustrado que nunca conseguiria singrar em Hollywood, pelo menos por bons motivos. É neste ambiente que surgem como novos vizinhos de DaltonSharon Tate e Roman Polanski. E o cenário está montado. Misturando personagens reais a fictícias, o cineasta cria a sua versão da História do ano 1969. Claro que a direcção artística e o guarda-roupa fazem um trabalho esplêndido na recriação da época e dos locais.


Mas, afinal, este é provavelmente o filme menos inspirado de Quentin Tarantino, pelo menos desde há uns bons anos. Isso não é ser mau, longe disso, mas o cineasta já nos habituou a um patamar mais elevado e é sempre difícil vê-lo recuar. As homenagens são mais que muitas, como sempre, onde a longa-metragem como um todo será a maior delas. As personagens são dúbias mas muito divertidas - Leonardo DiCaprio faz tudo com uma perna às costas, seja bêbado, deprimido, galã ou vilão -, Brad Pitt surge mais discreto mas não menos impactante, numa personagem secundária que depressa assume o protagonismo, em especial após a metade do filme. Os dois actores provam ser uma dupla que vamos gostar de ver mais vezes no grande ecrã.

Não há a profundidade que talvez gostássemos de ver explorada, mas há imensas referências em personagens símbolos desta Hollywood em mudança. Por vezes, sentimos um dèjá vu, com claras alusões a filmes anteriores (Sacanas Sem Lei será provavelmente o mais facilmente comparável em determinados momentos - desde logo, nos nazis que Rick Dalton fulmina num dos seus filmes). Sentimos que este nono filme quer ser mais um retrato de uma época, do que um marco da criatividade do seu criador.


Era Uma Vez... Em Hollywood revela-se menos certeiro, apesar dos delirantes 20 minutos finais, que serão, sem dúvida, inesquecíveis. O fulgor com que culmina não suporta as quase três horas da longa-metragem, não deixando contudo de ser um belo desafio à História e à indústria. No fundo, será Hollywood sonhada por Quentin Tarantino.

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