segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Crítica: Vitalina Varela (2019)

*8/10*


O universo expressionista de Pedro Costa revela-se no seu esplendor visual em Vitalina Varela, que segue a linha dos últimos filmes do cineasta, desta vez focado apenas na personagem que dá título à longa-metragem.

Depois de surgir em Cavalo Dinheiro, Vitalina conquistou Pedro Costa e o Festival de Cinema de Locarno - onde venceu o prémio de Melhor Actriz e o Leopardo de Ouro para Melhor Filme. Dando continuidade a algumas ideias desenvolvidas no "capítulo" anterior, o filme aborda o luto, mas tendo como principal foco a onda de imigração de cabo-verdianos que vieram para Portugal trabalhar nos anos 70.

Vitalina Varela, cabo-verdiana, 55 anos, chega a Portugal três dias depois do funeral do marido. Há mais de 25 anos que Vitalina esperava o seu bilhete de avião.

Assim que pisa solo português, os seus pares alertam-na para que regresse a casa, pois Portugal nada tem para si. O tom desditoso e desconsolado do filme de Pedro Costa está desde aí lançado. No entanto, Vitalina resiste e insiste. Para além de prestar contas com o fantasma do homem que a abandonou e com memórias de tempos felizes, parece haver nela uma réstia de esperança que a faz avançar.


A mágoa espelhada no seu rosto contagia-nos. A protagonista, que se desempenha a si mesma, conta-nos a sua história - com q.b. de ficção à mistura - com coragem e sem fraquejar. E que interpretação! De olhos bem abertos, lúcidos e quase desafiantes, Vitalina encara desconfiada quem a vem visitar ou dar condolências. Ao mesmo tempo, comove-se com um jovem casal que conhece e desafia um padre solitário - que nos é bem familiar. 

O sofrimento surge em cada pedaço de pele de Vitalina e no olhar vazio, mas cheio de recordações. Um olhar que se assemelha ao de Ventura, que surge novamente neste filme de Pedro Costa, ele mesmo é agora o padre desencantado e só, que se cruza no caminho da protagonista. A partilha entre as duas personagens guarda alguns dos momentos mais ricos da longa-metragem.


Mas é visualmente que Vitalina Varela se distingue verdadeiramente. As ruas labirínticas e as casas, que aparentam formatos irregulares, são filmadas de modo a que pareçam quase desproporcionais, num ângulo incómodo, com a luz a assumir o papel principal na nossa percepção (mais do que em filmes anteriores do realizador). Vitalina Varela é todo ele noite e opressão, mesmo quando acontece de dia. É todo luto, mas com rasgos de sonho e esperança. A iluminação do que realmente interessa destacar é o foco para a vida que cada um encerra em si e tem de continuar.

Vitalina Varela está longe de ser um filme fácil. Mas envolve como poucos e liga-se a nós com as forças que movem a protagonista, por vários dias, sem cessar, num alerta para muitas das questões que parecem tão longe, mas estão tão perto.

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