sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Crítica: Bacurau (2019)

"Você quer viver ou morrer?"


*9/10*

Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles levam-nos numa viagem a Bacurau, num filme que se posiciona entre o western, a ficção científica, o thriller e até a comédia negra. A crítica é certeira neste universo distópico, onde tudo é inesperado - e com demasiadas semelhanças com a realidade, mesmo que metafóricas.

Bacurau pode ser um apelo à luta contra os poderosos, pode ser um retrato aterrador do futuro para o qual caminhamos, mas é, acima de tudo, uma peça cinematográfica ímpar.

Pouco depois da morte de Dona Carmelita (Lia de Itamaracá), aos 94 anos, os habitantes de Bacurau, uma pequena vila no sertão brasileiro, descobrem que a localidade desapareceu dos mapas. Há drones a passear pelos céus e estrangeiros a chegar à cidade. Uma sucessão de acontecimentos insólitos e mortes levam Teresa (Bárbara Colen), Domingas (Sônia Braga), Acácio (Thomas Aquino), Plínio (Wilson Rabelo), Lunga (Silvero Pereira) e outros habitantes à conclusão de que estão a ser atacados. Terão agora de identificar o inimigo e criar uma estratégia colectiva de defesa.


Os realizadores criam o cenário perfeito para discutir o estado para que o Mundo caminha. Tocando na escassez de água potável, mantimentos e medicamentos, na tentativa de alienação da população pelos populistas de serviço, há um curioso constraste com a utilização de telemóveis e tablets para aceder à Internet. Bacurau é um lugar pacato e de poucos recursos, mas onde a tecnologia e a informação fazem parte da mobília. Estes homens, mulheres e crianças são resistentes e sabem defender-se das façanhas dos poderosos para os derrubar. São claramente instruídos, têm até um Museu. Eis o segredo para vingar e resistir: Cultura! Aquela que tantos governos preferem menosprezar, porque o povo ignorante é muito mais fácil de manobrar.

O problema desta comunidade não será o Perfeito populista, Tony Jr., que pretende comprar votos com doações fora de prazo. Será sim, a inesperada passagem de dois forasteiros por Bacurau a que se segue uma série de acontecimentos terríveis e sangrentos.


Bacurau não poupa críticas aos norte-americanos que, ao longo de décadas, têm interesses e tentam manipular os governos de diversos países da América Latina e do Sul. A analogia é óbvia. Os turistas vêm ao sertão divertir-se da forma mais macabra possível. Mas os indígenas nunca baixam os braços.

O filme mune-se de um argumento consistente, que toca nos pontos-chave que preocupam brasileiros e não só. E fá-lo de forma criativa e corajosa, com actores talentosos (Sônia Braga não nos dá hipóteses), de diversas origens (é um gosto ver o alemão Udo Kier).


Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles não tremem, nem temem. Não recuam, atacam com humor mordaz e com tiros certeiros, mortos, muito sangue e violência, mas igualmente uma união exemplar. Bacurau é Resistência.

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