sábado, 14 de dezembro de 2019

Crítica: O Irlandês / The Irishman (2019)

"I Heard You Paint Houses"

The Irishman, Martin Scorsese - Netflix
*8.5/10*

Martin Scorsese é um mestre a contar histórias e adora um bom enredo de mafiosos. Agora na terceira idade, juntou os seus bons rapazes e outros tantos compinchas e fez um filme à medida da sua experiência: tão genial como comedido. Mudam-se os tempos, não se mudam os costumes nem o espírito. Há apenas mais ponderação.

Robert De Niro e Scorsese mostram sempre vontade de se aventurarem juntos e quando o decidem fazer é um regalo para os cinéfilos. O Irlandês (The Irishman) é o regresso aos bons velhos tempos com todos os gangsters da História do cinema: De Niro, Joe PesciAl Pacino (incrivelmente, a trabalhar com o realizador pela primeira vez), Harvey Keitel ou Jesse Plemons são alguns deles.

The IrishmanMartin Scorsese Netflix
Em O Irlandês, o assassino Frank Sheeran (Robert De Niro), já idoso, recorda os segredos que guardou enquanto fiel membro dos Bufalino, uma família ligada ao crime. Nesta jornada, tornou-se muito próximo de Jimmy Hoffa (Al Pacino), presidente do sindicado dos camionistas, desaparecido em 1975.

I Heard You Paint Houses é o belo eufemismo que dá título ao livro de Charles Brandt - que Steven Zaillian adapta para o filme de Scorsese -, e retrata metaforicamente o trabalho de Frank Sheeran com a máfia. Em três horas e meia, ele conta-nos de onde veio e como chegou ao lar de idosos onde se encontra. Três horas e meia que passam a voar, sempre com ritmo, lógica e entusiasmo, com uma narrativa que saltita no tempo sem falhar, como só a montadora Thelma Schoonmaker (colaboradora habitual do cineasta) é capaz de fazer. Não há pontas soltas na história e nem ponta de aborrecimento. Tudo acompanhado por uma banda sonora fabulosa.

The IrishmanMartin Scorsese Netflix
Percorremos a História norte-americana ao longo de várias décadas, passando pela morte de J. F. Kennedy e ascensão e queda de Nixon, sempre servindo de contexto às actividades da máfia e do sindicato de camionistas. O trio protagonista atravessa as décadas com mais ou menos rugas, minimizadas pela tecnologia de-aging - que fez confusão a muita gente, mas revela-se uma surpresa curiosa e bastante funcional. De Niro, Pesci e Pacino envelhecem e rejuvenescem dando corpo às suas personagens. Contudo, há pormenores que a tecnologia não é capaz de alterar. Homens de rosto jovem que se movimentam com dificuldade - como septuagenários que são, na realidade - é talvez a maior falha do filme. Mas ainda bem que assim é, e que Scorsese optou por serem estes actores veteranos a interpretarem-se em várias idades. De outra forma o encanto não seria tanto.

Robert De Niro regressa aos papéis que o eternizaram, ao lado de colegas com quem fez História. Maduro e com o talento que o caracteriza, encarna Frank Sheeran entre a frieza e a comoção, um homem que faz o que lhe mandam mas que sofre com as consequências dos seus actos, com amigos e família em jogo. Ao seu lado, um estrondoso Al Pacino, irreverente, intransigente e orgulhoso. E a maior surpresa do elenco, um Joe Pesci reinventado, comedido, que se limita a seguir as regras da máfia, para que nada saia do seu controlo.

The IrishmanMartin Scorsese Netflix
O Irlandês faz-nos recordar os mafiosos dos anos 70, 80 e 90, as mesmas caras, num registo muito mais adulto e menos efusivo. Afinal, a idade pesa-nos a todos e parece que chegamos ao momento de reflexão dos gangsters do cinema. Nós só podemos agradecer a Martin Scorsese por ter realizado este filme e à Netflix por o ter feito chegar até nós. Um filme sobre escolhas e solidão. E sobre uma vida passada com a morte sempre por perto.

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