segunda-feira, 2 de março de 2020

Crítica: A Vida Invisível (2019)

"- Guida, o que é que é?
- Menino.
- Sorte a dele."


*7/10*

O brasileiro A Vida Invisível é um relato da tragicidade de se nascer mulher, através da história de duas irmãs. Um filme que se revela actual, mesmo que faça valer as suas razões com um enredo passado nos anos 50.

O realizador Karim Aïnouz filma a dureza e a inevitabilidade dos destinos de duas irmãs que a vida - e a família - separa. Na época das ditaduras - brasileira e europeias -, o papel da mulher resumia-se a pouco mais do que cuidar da casa e ter filhos e aspirações maiores não tinham lugar. A Vida Invisível faz-nos ver o que já sabíamos, mas faz-nos igualmente constatar como ainda em 2020, tanto há para fazer pelos direitos das mulheres no Mundo. 

No Rio de Janeiro, em 1950, Eurídice (Carol Duarte), de 18 anos, e Guida, de 20 (Julia Stockler), são duas irmãs inseparáveis que vivem em casa dos pais, dois portugueses conservadores. Apesar da vida tradicional, ambas acalentam um sonho: Eurídice quer ser uma pianista de renome, Guida procura um amor verdadeiro. Numa reviravolta inesperada, elas são separadas pelos pais, sendo forçadas a viver sem contacto. Sozinhas, assumem o controlo dos seus próprios destinos, sem nunca abandonarem a esperança de um dia se reencontrarem.


Inspirado na obra homónima de Martha BatalhaA Vida Invisível é um filme duro, com uma aura sombria e triste desde o seu início. A angústia das duas irmãs entranha-se na plateia, sem dó.

As duas protagonistas, Carol Duarte e Julia Stockler, têm um desempenho fabuloso, com uma química enorme, e cujas vidas, mesmo à distância, se complementam. Como Eurídice, Carol é mais comedida e incorpora um sofrimento introspectivo, doloroso, de sonhos constantemente anulados. O seu sorriso ao piano demonstra qual é o seu verdadeiro amor. Guida exige uma interpretação mais extrovertida de Julia Stockler, num sofrimento que começa na ilusão de um grande amor. O romantismo vai-se perdendo, e a mãe solteira renegada pela família reconstrói-se, transformando-se numa mulher de garra, que dificilmente alguém consegue quebrar. Fernanda Montenegro vem, por seu turno, adicionar mais talento e comoção à acção, entre a tranquilidade e a ânsia do reencontro.

O retrato desta geração de mulheres - e de homens machistas - aborda temas como a violência física, social e sexual a que todas eram submetidas, as convenções a que se sujeitavam e a ideia de que a mulher casada é propriedade do seu marido. Por outro lado, as dificuldades que uma mãe solteira enfrentava na época são duramente personalizadas por Guida. 70 anos depois, será que mudou assim tanto?


A crítica social é constante, mesmo que feita através de muitos clichés. Ainda assim, A Vida Invisível é um elogio ao lugar das Mulheres na sociedade, desde sempre. Eis um filme #MeToo de época.

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