terça-feira, 20 de outubro de 2020

Crítica: La Llorona (2019), de Jayro Bustamante

*8/10*

Quando o cinema recorre à História de um país para aterrorizar a plateia, ressuscita fantasmas mal enterrados e estabelece a necessidade de confronto entre passado e presente, o resultado pode ser realmente especial. Em La Llorona, o realizador guatemalteco Jayro Bustamante reinventa a lenda  do folclore hispânico com o mesmo nome, fazendo-a tomar o corpo dos indígenas que choram pelos seus mortos e desaparecidos durante a guerra civil na Guatemala.

La Llorona exige a justiça que não foi feita, após mais de 30 anos de genocídio. O sobrenatural assume o papel de juiz, mas o júri do tribunal somos nós.

"Enrique Monteverde, um general acusado de genocídio na Guatemala, é absolvido em julgamento, deixando o povo revoltado. É então que o espírito de La Llorona surge vagueando entre os vivos, para concretizar a vingança que o julgamento não conseguiu fazer."

É curioso observar como, na Europa, pouco ou nada se ouve falar sobre a História da Guatemala e até de alguns outros países da América Latina. O Cinema é, contudo, a ferramenta ideal para descobrir mais. La Llorona abre-nos a porta para uma experiência de terror histórico, onde o sobrenatural e o realista se unem para contar a História.

Para além de um elogio aos guatemaltecos nativos, que foram mortos aos milhares - outros tantos dados como desaparecidos - ao longo de três décadas de guerra, o realizador Jayro Bustamante cria uma atmosfera onde a mítica Mulher que Chora é a encarnação da justiça e da culpa que não deixará de assombrar os militares assassinos.

Sonhos e alucinações que revelam a verdade aos cépticos ou fantasmas de carne e osso que surgem entre a neblina são alguns dos elementos de horror utilizados para criar um ambiente de desconfiança e medo. Se fora dos portões da casa do general, uma multidão enfurecida não arreda pé, não será dentro de quatro paredes que reinará a segurança.

Ainda de destacar, em La Llorona a figura feminina assume um papel central, quer na personagem que dá nome ao filme, mas igualmente nas mulheres que vivem com o general, cada uma delas com uma função bem definida ao longo do filme. A importância do elemento Água é outra das características mais marcantes da obra de Jayro Bustamante: as lágrimas da mulher que chora (e de todos aqueles que perderam os seus entes queridos no genocídio), o rio onde muitos foram mortos, a piscina da casa ou a água que inunda a casa de banho são alguns exemplos desta presença constante.

La Llorona é mais uma prova de como o Cinema pode ser uma forma de exorcizar o passado, usando o terror e o fantástico para tocar nas feridas por sarar, sentenciando pela Sétima Arte os criminosos que marcaram a História.

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