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sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Doclisboa'20: Nheengatu - A Língua da Amazónia (2020), de José Barahona

*8/10*

Nheengatu - A Língua da Amazónia foi o Filme de Abertura do Doclisboa 2020 e leva-nos numa viagem com José Barahona e a sua equipa, em busca de culturas que tendem a desaparecer. 

"Ao longo de uma viagem no alto Rio Negro, na Amazónia profunda, o realizador busca uma língua imposta aos índios pelos antigos colonizadores. Através desta língua misturada, o nheengatu, e dividindo a filmagem com a população local, o filme constrói-se no encontro de dois mundos."

Nheengatu - A Língua da Amazónia é o registo contra o esquecimento, contra o apagamento de tradições e rituais a que o Mundo tem assistido. Ao mesmo tempo, é também o diário de bordo do realizador, que relata os seus dias no barco, de tribo em tribo, do Brasil à fronteira com a Venezuela e Colômbia, cuja bússola segue a direcção de uma língua comum, por entre paisagens de uma beleza quase inimaginável.

A equipa de filmagens vem levantar a bandeira da desconfiança junto de quase todos os povos, mas a curiosidade fala mais alto - e essa é notória de ambas as partes. Mas, à medida que a interação acontece, as conversas fluem e, em muitos casos, o escudo da língua desconhecida para os homens brancos vem deixar os indígenas mais libertos para dizer o que pensam ou comentar os comportamentos dos visitantes. Curiosamente, o realizador não deixa também de revelar que estes depoimentos e filmagens tiveram um custo, e as negociações nem sempre terão sido fáceis.

Se o colonialismo impôs uma língua comum a estes povos, as suas consequências na desenraização de costumes e tradições são ainda bem notórias. O culto religioso - que parece ter crescido com força em tantas das tribos visitadas por Barahona - tolheu a cultura e veio proibir alguns rituais.

As memórias não são felizes mas a "contaminação" do colono europeu ficou marcada em muito mais do que nas histórias que as famílias contam. Dos índios que eram escravizados pelos brancos, aos vestígios arquitectónicos deixados pelos portugueses - muito deles agora em fusão com a Natureza, nos meandros da Amazónia -, mas também na miscigenação da língua e costumes, a intervenção dos brancos na forma de vida dos índios é inegável.

Por outro lado, o Governo brasileiro veio instalar a desesperança e o abandono. Eles sentem a mudança e referem como os tempos em que Lula da Silva esteve no poder foram muito bons para os índios. Agora temem que os brancos venham para as suas terras e haja morte.

E mesmo que a identidade moderna destes povos esteja muito longe daquilo que foi há mais de 500 anos, intocada pelos portugueses, há que defendê-la de todos as ameaças actuais. Felizmente, a equipa de Nheengatu - A Língua da Amazónia cruzou-se com uma tribo que mantém os rituais e todos se uniram para fazer parte da celebração - filmando uma alegria e harmonia que devemos preservar.

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