Doclisboa'20: My Dear Spies / Mes chers espions (2020), de Vladimir Léon

*8/10*

My Dear Spies é um documentário em jeito de road movie de descoberta, um mergulho nos arquivos de família e oficiais. O realizador Vladimir Léon e o irmão Pierre são investigadores em serviço próprio numa Rússia que não gosta de falar sobre o Passado.

"O realizador entrega ao irmão uma mala velha que trouxera de casa da mãe deles após a sua morte. Aí, encontram documentos que ligam os seus avós russos à inteligência soviética em Paris antes da Segunda Guerra Mundial. De Paris à Rússia, os irmãos deambulam pelas ruínas de mundos perdidos e histórias por contar. Conversam, cantam, bebem, encontram-se com muitas pessoas, amigos, testemunhas, historiadores, desencantando relatórios de contra-espionagem, testemunhos da vida quotidiana soviética, memórias do Gulag… Os medos do passado remoto ressurgem como fantasmas e parecem mais próximo de nós do que o esperado."

Um diário escrito pela mãe Svetlana, aos 14 anos, diversas fotografias antigas, de família e amigos, bem como outros textos descobertos servem de guia nesta viagem, qual caça ao tesouro das memórias e dos segredos de gerações.

Os dois irmãos partem numa viagem até à Rússia, começando pelas pequenas cidades - algo decadentes e gélidas, onde encontram calorosas recepções daqueles que conheceram a mãe dos protagonistas -, onde os avós viveram no final dos anos 40 com as filhas, até chegar a Moscovo. Um regresso às origens para redescobrir um passado pouco claro e difícil de confirmar: seriam os avós espiões?

Em My Dear Spies, Vladimir e Pierre visitam memoriais, arquivos - alguns inacessíveis, outros extremamente vigiados -, enfrentam desconfianças, e percebem como sempre foi tão difícil para as famílias soviéticas chegarem à verdade sobre os seus antepassados, em especial dos que pereceram na era de Estaline.

Debatem-se possibilidades, juntam-se peças, reencontram-se amigos e proporcionam-se excelentes conversas para compreender como, ainda no presente, há um receio latente nas palavras e nas acções dos russos. Como se o medo estivesse nos genes, transmitido de geração em geração, evita falar-se do passado, mas também do presente (o conflito com a Ucrânia e as temáticas LGBTQ+ são quase tabu).

My Dear Spies ajuda-nos a compreender como a herança que a História da Federação Russa, desde o tempo da URSS, dos czares, a Lenin, Estaline, até à actual era de Putin, tem marcado a personalidade dos seus cidadãos. A História de muitas famílias continuará a ser um mistério e nem a investigação mais capaz poderá trazer novidades.