sábado, 14 de novembro de 2020

Crítica: Amor Fati (2020)

*7/10*

Cláudia Varejão cria retratos de amor na sua longa-metragem Amor Fati (do latim "amor ao destino"). Durante dois anos, a realizadora procurou por todo o país "histórias de amores inabaláveis que se expressavam em fisionomias idênticas", algo que a intrigava desde criança.

Eis que Amor Fati se revela através de um conjunto de pares, unidos por um grande amor, carinho e afinidade, seja entre mães, pais e filhos, famílias, irmãos e irmãs, companheiros, donos e animais... São múltiplas as formas de amor. Chega-nos assim um filme de afectos, estreado em tempos de uma pandemia que teima em afastar-nos.

«Amor Fati vai ao encontro de partes que se completam. São retratos de casais, amigos, famílias e animais com os seus donos. Partilham a intimidade dos dias, os hábitos, as crenças, os gostos e alguns traços físicos. A partir dos seus rostos e da coreografia dos gestos, descobrimos a história que os enlaça. Assente na vida quotidiana, o filme desenha diante dos nossos olhos um coro de afectos e da memória colectiva de um país, convocado o discurso de Aristófanes no Banquete de Platão: “Não será a isto que vocês aspiram - a identificarem-se o mais possível um ao outro, de forma a não mais se separarem noite e dia? Se é essa a vossa aspiração, estou disposto a fundir-vos e soldar-vos numa só peça, de tal modo que, em vez de dois, passem a ser um só.”»

O filme pede-nos que observemos os gestos, as palavras e os olhares de pessoas e animais, a sua empatia e química, e conta-nos histórias intercaladas, com protagonistas muito diferentes, mas todos eles pouco vistos no grande ecrã. Duas idosas de uma aldeia remota do interior norte de Portugal, um travesti e o seu cão, um rapaz cego que faz beatbox e a sua mãe, duas gémeas empregadas num café à beira da estrada, a mãe cigana e a sua filha, uma família de músicos arménios, um eremita e o seu cavalo branco, são alguns dos protagonistas escolhidos por Cláudia Varejão.

Inevitavelmente, há pares que se sobrepõem a outros, conquistam mais facilmente o coração do espectador, mas também o espaço dentro do filme. A realizadora filma sem interferir, entrando na sua intimidade como se fosse parte da mobília, olha-os com interesse mas pouco calor. Interessa encontrar as semelhanças entre as duas metades que constroem e vivem estas formas de amor, o que as liga, o que as torna quase unas.

Amor Fati, enquanto filme, é um hino à vida e ao amor, mas principalmente à descoberta desse sentimento e emoção nos outros. É um observar a vida a acontecer e todo o ritual que se lhe segue, desde o nascimento, num circulo interminável. E, como diz a realizadora: "Talvez o cinema nos ajude, assim, a fintar o fim".

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