sexta-feira, 7 de maio de 2021

Crítica: Caros Camaradas! / Dear Comrades! / Dorogie tovarishchi (2020)

*7/10*

Caros Camaradas!, de Andrey Konchalovskiy, faz um ajuste de contas com um Passado que esteve durante 30 anos vetado ao silêncio. O realizador veterano ficcionaliza os acontecimentos reais de 2 de Junho de 1962, em Novocherkassk, mantidos em segredo até aos anos 90.

Novocherkassk, cidade provinciana no sul da URSS, 1962. Para Lyudmila (Julia Vysotskaya), uma devota funcionária do Partido Comunista e veterana idealista da Segunda Guerra Mundial, tudo o que representa um sentimento antissoviético é um flagelo. Com outros funcionários do Partido, ela é apanhada de surpresa por uma greve na fábrica local, na qual a sua própria filha participa. À medida que a situação se descontrola, Lyudmila inicia uma busca desesperada pela filha, enquanto vigora o recolher obrigatório, são feitas detenções em massa e as autoridades tentam, a todo o custo, encobrir a violência do Estado. A sua fé na linha do Partido é abalada pela crescente consciência dos custos humanos que implica, destruindo o mundo que pensava conhecer.

Os preços dos alimentos a subir e os salários a baixar foram o motor para a revolta dos trabalhadores. Mas a morte fez-lhe frente, dispersou-a, silenciou-a. A ela e aos ideais comunistas pelos quais Lyudmila se regia - do alto do seu lugar privilegiado de membro do Partido. Andrey Konchalovskiy conta-nos como tudo aconteceu num tom ambíguo: a ironia é omnipresente, a par da tragédia que o filme carrega em si. Muitas das acções do Partido caem no ridículo pela lente do realizador; já as vítimas ganham espaço na História.

Caros Camaradas! denuncia as injustiças e as contradições de uma ideologia em decadência. Do planeamento da contenção de uma revolta popular, à forma de apagar a dor, a morte e o crime com água ou alcatrão, documentos confidenciais e juras de silêncio, Andrey Konchalovskiy espicaça os criminosos mostrando por via cinematográfica que nem a verdade, nem a culpa morrem sozinhas.

A opção de filmar a preto e branco e no formato clássico 1.33:1 transporta-nos para a época dos acontecimentos, com um trabalho de fotografia sublime, que proporciona planos inquietantes. A desconfiança que paira no ecrã passa para a plateia, bem como o desconforto e o receio das personagens, que sentem que nenhum local é seguro - a combinação som/imagem cumpre bem esta função.

Caros Camaradas! dá vida às memórias de um passado recente, escondidas em baús, num filme marcado por contrastes e uma réstia de humanidade que sobrevive ao massacre.

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