quinta-feira, 20 de maio de 2021

Crítica: Estados Unidos vs. Billie Holiday / The United States vs. Billie Holiday (2021)

"Despite all of the shit in her life, she's made something of herself and you can't take it because she's strong, beautiful and black."

Jimmy Fletcher

*6.5/10*

Estados Unidos vs. Billie Holiday relata alguns anos na vida da estrela de jazz, acompanhando a perseguição que o FBI lhe fez, ao mesmo tempo que retrata o racismo intrínseco nos EUA, desde a sua origem enquanto país até aos dias de hoje. Andra Day é estrondosa como protagonista.

"A  lendária  Billie  Holiday,  uma  das  maiores  intérpretes  de  jazz  de  todos  os  tempos,  foi adorada por fãs de todo o mundo durante a maior parte da sua carreira. Na década de 1940,  em  Nova  Iorque,  o  governo  federal  perseguiu  Holiday  no  âmbito  de  um  esforço crescente  para  escalar  e  racializar  a  guerra  contra  a  droga,  procurando  impedi-la  de cantar a sua controversa e comovente balada Strange Fruit."


Lee Daniels cria um filme biográfico que homenageia a cantora, conseguindo captar a sua fragilidade, mas igualmente a sua garra em palco, enquanto traça uma crítica certeira ao FBI e aos norte-americanos. Consegue captar um perfil de Billie Holiday com detalhe, ainda que, por vezes, se perca por querer abarcar todos os aspectos que a caracterizaram. Desde a infância de abusos e negligência, aos maridos violentos, sem deixar escapar a adição pelas drogas, a prisão e todas as dificuldades que se lhe seguiram, o filme explora ainda algumas liberdades criativas, como uma entrevista que nos conduz parcialmente na história, mas que acrescenta pouco.

A importância do tema Strange Fruit para o decorrer da narrativa de Estados Unidos vs. Bille Holiday é central, já que a vida da cantora dependerá de interpretar ou não a canção nos seus espectáculos, tão desejada pelo seu público. A mágoa e revolta que as palavras cantadas provocam, ao relatar os linchamentos aos negros no Sul dos Estados Unidos, tinham uma força que os racistas temiam. A longa-metragem ganharia ao focar-se ainda mais neste tema e nas dúvidas que atormentavam Holiday.

Andra Day não é a primeira a interpretar Billie Holiday. Em 1972, Diana Ross também vestiu a pele da cantora de jazz em Lady Sings the Blues. Contudo, Andra é fabulosa. Treinou a voz para conseguir o tom grave e rouco da cantora, começou a fumar e a beber, perdeu peso, entregou-se a uma interpretação tão física como psicológica, sem problemas com cenas de nudez, violência ou de consumo de heroína, e é capaz de dotar a personagem de um carisma imenso em palco e de uma incapacidade de amor próprio nos momentos de maior fragilidade. Andra é frágil e forte, dominada mas decidida, apaixonada, magoada, corajosa mas influenciável. A cantora e actriz percorre uma série de estados de alma, mas o olhar vazio e desalentado é capaz de nos arrebatar.

Rodado em película de 16 e 35mm, o filme transporta-nos para a época dos momentos retratados e confere uma maior intimidade entre a plateia e a acção. Também a direcção artística e o guarda-roupa são pontos fortes da longa-metragem, retratando tanto o glamour como a decadência que rodeavam Billie Holiday.

E se, apesar de se esforçar, Lee Daniels não traz uma obra inesquecível, certo é que há bons momentos a reter, boa música, e uma forte aura de luta pelos direitos civis a pairar, tão actual naquele momento como na actualidade. Já Andra Day canta, encanta e honra a memória de Lady Day.

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