quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Crítica: O Último Banho / The Last Bath (2020)

*7/10*

Na sua primeira longa-metragem, David Bonneville submerge-nos numa história de relações familiares ambíguas e dilemas. O Último Banho é um filme contido e subtil, que filma com intimidade a solidão e o desamparo das suas personagens.

"Josefina está prestes a fazer os votos perpétuos, mas tem de regressar à aldeia onde cresceu para o funeral de seu pai. Aí reencontra o sobrinho, abandonado pela mãe, e é compelida a adoptá-lo. O regresso à casa de família transporta-a para um passado sombrio e para uma realidade de solidão e intimidade. A adolescência do sobrinho e a profunda religiosidade, o perigo de pecado e a ameaça de regresso da irmã, são desafios que terá de enfrentar."

Mudanças inesperadas são o mote para a narrativa de O Último Banho. Uma morte exige um regresso às origens para Josefina, atormentada por recordações do local onde cresceu, tomado pelo isolamento, ao mesmo tempo que se vê perante a possibilidade de deixar a religião, a que tanto se dedica, para criar o sobrinho, sem, contudo, ceder a tentações; por seu lado, Alexandre, em plena descoberta da adolescência e abandonado pela mãe, sente a perda do avô como mais um golpe, a que se junta a possibilidade de ir para um orfanato.

A interacção entre tia e sobrinho, difícil nos primeiros dias, vai crescendo em compreensão e partilha. É tudo novo para ambos: Josefina nunca foi mãe, nem experimentou o amor sensual e carnal; Alexandre pouca atenção maternal teve, e começa a descobrir a paixão. As inseguranças e os dilemas de cada um são uma constante.

Corpos mal tratados e feridos são espelho de dois corações magoados. E é no banho que a intimidade, inicialmente familiar, entre tia e sobrinho cresce, a par da ambiguidade que também a plateia sente, numa espécie de fascínio platónico, quase incestuoso.

E é nestes mesmos momentos que entra em cena a enorme sensibilidade estética de O Último Banho, onde os planos dão grande foco ao corpo das personagens: à pele e ao toque. O banho é o momento ideal para captar a intimidade, que poderia ser maternal, mas também poderá deixar dúvidas.

Anabela Moreira encarna as inseguranças de Josefina com o talento que a caracteriza, num papel com uma componente física muito forte. Ao seu lado, o jovem Martim Canavarro é capaz de transpor para a personagem tanto a inocência como a rebeldia e curiosidade que a adolescência faz despertar, numa prestação confiante e madura.

Eis a estreia auspiciosa e desafiadora de David Bonneville: um banho de relações complexas e de descobertas - não importa a idade que se tenha.

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