segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Crítica: Titane (2021)

*7/10*


Julia Ducournau não tem medo do choque. Titane prova-o, assim como revela uma mente criativa a fervilhar em ideias e vontade de pô-las em prática. Todavia, a segunda longa-metragem da realizadora francesa parece dois filmes distintos, unidos pela protagonista comum: o filme-choque, onde abunda o erotismo e o body horror; e o drama psicológico, em que Vincent Lindon rouba a tela e dá tudo de si para o melhor de Titane.

A sinopse é vaga e convida à descoberta - com precaução: "Após uma série de crimes sem explicação, um pai reúne-se com o seu filho desaparecido há 10 anos. Titânio: um metal altamente resistente ao calor e à corrosão, com ligas de alta resistência à tracção."

As influências de David Cronenberg são notórias na visceralidade da violência, mas também na relação intrínseca dos carros com o prazer sexual. Mas, na conjugação de muitas ideias soltas e "fora da caixa", Julia Ducournau ainda está longe de ser Cronenberg.

A realizadora foca-se numa protagonista (Agathe Rousselle num desempenho seguro, entre a sensualidade e a androginia, a brutalidade e o sofrimento) fascinada por carros, cuja ausência de emoções por humanos faz dela uma autêntica máquina feita de titânio (como a placa que tem na cabeça, resultante de um acidente em criança). Mas após meia hora grotesca, eis que Titane se transforma "noutro" filme, onde uma réstia de humanidade desperta, e em que tudo girará em torno da enorme interpretação de Vincent Lindon.

O trauma do desaparecimento de um filho e o sentimento de negação constante, a par do sofrimento por sentir o corpo a envelhecer, tornam a personagem deste pai no maior trunfo da longa-metragem. Cria-se empatia, compaixão e verdadeiro interesse no desenrolar da acção, agora muito menos insana.

O pretensiosismo inicial de Ducournau, em que tudo parece "too much", é contido por Lindon, capaz de expressar tanto com um abraço, um toque ou uma lágrima. Um desempenho tão físico como psicologicamente exigente, capaz de equilibrar toda a controversa excentricidade da realizadora.

E se Titane é tão atordoante, para tal muito contribui o trabalho da direcção de fotografia de Ruben Impens, a par da banda sonora, fundamental para o adensar da tensão narrativa. Cores vibrantes, planos sequência, sombras e luzes, tudo filmado com mestria e intensidade.

Corajosa e sem pudores, Julia Ducournau é um nome promissor no cinema actual. A sua apetência para o choque e para o grotesco pode funcionar - e ideias não lhe faltam -, mas há ainda uma maturidade a alcançar, para que não se perca a genialidade no meio de uma amálgama de banalidades.

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