sábado, 30 de abril de 2022

Crítica: Nitram (2021)

*7/10*

Nitram inspira-se na história real de um massacre, que ocorreu na Austrália, em 1996, para se focar no perturbado protagonista e no mundo que o rodeia. O realizador Justin Kurzel (cuja filmografia inclui Macbeth, de 2015, ou Assassin's Creed, de 2016) e o argumentista Shaun Grant constroem a acção em torno do jovem desenquadrado e ostracizado, numa luta constante entre o controlo dos seus impulsos e aquilo que a sociedade espera de si.

"Austrália, em meados dos anos 1990. Nitram mora com os pais, onde o tempo passa entre a solidão e a frustração. Ao oferecer os seus serviços como jardineiro, conhece a Helen, uma herdeira marginal que vive sozinha com os seus animais. Juntos, constroem uma vida à parte. Quando Helen desaparece tragicamente, a raiva e a solidão de Nitram ressurgem. Começa então uma longa descida que levará Nitram ao pior."

Desde a incapacidade de pais e médicos - os fármacos não parecem ser a solução - em lidar com os problemas de Nitram, ao descontrolo emocional que o protagonista sente, a incompreensão parece ser um dos motores de acção do jovem. Sem amigos ou trabalho, Nitram passa os dias a tentar integrar-se, sem sucesso. Quando conhece Helen, que não o julga nem humilha, a esperança numa vida mais "normal" parece transformá-lo. Mas os momentos de tranquilidade não perduram. 

Na direcção artística, destaque para o porto seguro que é a casa de Helen. Repleta de animais, muito degradada, mas, paradoxalmente, muito acolhedora, onde não falta música (piano e gira-discos fazem parte da decoração), transmite a aura de um local sem tempo. Quase como uma outra dimensão da realidade, a casa é o local onde ambos se sentem seguros e completos.


Como Nitram, Caleb Landry Jones (vencedor do prémio de Melhor Actor no Festival de Cannes) incorpora de forma impactante a personagem sólida, complexa e bem construída. O modo como o seu comportamento se transforma, antes, durante e depois de conhecer Helen, é vivido pelo actor com realismo, e o descontrolo e desalento que o tomam não auguram o melhor dos cenários.

Efectivamente, Nitram nunca está sozinho. A câmara de Kurzel acompanha-o de perto, bem como às suas conjecturas e ideias. Não sendo capaz de ler os pensamentos do protagonista, o realizador consegue fazer prever um desfecho trágico. Suspense e estranheza são duas características indissociáveis do filme.


Nitram não condena nem desculpa, pretende apenas mostrar, sem simpatias, todas as falhas da sociedade: da integração social, aos cuidados de saúde mental, até ao controlo de armas. Justin Kurzel filma tudo isto do ponto de vista de um outsider, com a frieza de alguém excluído da sociedade e resultado dessa exclusão.

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